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quarta-feira, 10 de maio de 2023

Uma Mulher Transgênero na Idade Média

A história de um poema medieval sobre como se tornar seu verdadeiro gênero.

Representação de mulheres na Hagadá de Sarajevo,
manuscrito em pergaminho do século XIV, Espanha.

Traduzido de Crossdreamers

Muitos de vocês devem ter se deparado com o seguinte argumento no debate sobre a vivência transgênero: como o crossdressing e as identidades transgênero são construções sociais, é provável que isso seja fruto da sociedade capitalista moderna, do patriarcado ou de algo igualmente sinistro – uma linha de argumento que provavelmente levará a uma discussão limitada sobre sexualização e fetiches.

Essa impressão é reforçada pelo fato de historiadores e estudiosos da arte terem a tendência de ignorar – ou censurar abertamente – as vozes de pessoas com variantes de gênero de outras culturas e épocas.

Como comentei em meu artigo sobre o Kama Sutra, até recentemente todas as traduções para o inglês desse trabalho pulavam a parte sobre mulheres heterossexuais dominando homens heterossexuais, provavelmente porque era considerado algum tipo de ameaça à ordem mundial ou algo aparentemente impossível de entender.

Portanto, é necessário muito estudo e trabalho neste campo. Estou confiante de que, se procurarmos, encontraremos crossdressers e transgêneros em todas as culturas e em todas as épocas. Suas vidas serão expressas de maneiras diferentes de acordo com a linguagem local e a estrutura cultural (como são hoje), mas terão algo em comum: um desejo ou uma necessidade de expressar ou ser reconhecido como seu verdadeiro gênero ou como uma mistura dos dois.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Esse homem se parece com uma mulher

Fig. 1 O Jovem Cristo

Traduzido de The Ontological Machine

Durante o ano passado, olhei para esta imagem inúmeras vezes. A primeira vez que a vi eu estava em uma palestra tediosa, daquelas que o palestrante fica passando slides de PowerPoint – apresentações depois do almoço nunca foram a minha praia. Se sabe, quando alguém não sabe direito sobre um determinado tópico de arte, tudo começa a se fundir na mesma coisa (depois de uma certa quantidade de querubins e mulheres nuas, eles parecem todos iguais). Mas quando você aprende a olhar, tudo começa a fazer sentido. De repente, as curvas daquelas mulheres nuas dizem algo sobre o pintor, e o uso de um determinado pincel nos querubins ajuda a distinguir o período. Depois disso, qualquer apresentação de slides se torna mais divertida e leve, como uma versão artística de Onde está Wally. Você deve supor que eu gasto meu tempo de maneiras muito estranhas, e você está certo.

E eu devia estar no limite do conhecimento, porque enquanto o palestrante passava rapidamente pelas imagens, uma delas imediatamente me tirou o sono. Essa figura de olhos amendoados e cabelos cacheados perfeitamente articulados parecia estar olhando para um interlocutor invisível como se estivesse no meio de uma conversa. Algo sobre esta imagem estava me deslumbrando. Talvez fosse o uso da luz, ou talvez sua proximidade, como se eu vivesse uma intimidade da qual não pudesse escapar. Isso me fez sentir algo que nunca pensei ser possível enquanto assistia à arte renascentista: me deixou desconfortável.

Não demorou muito até eu perceber que a imagem não era de uma mulher núbil olhando para longe com modéstia. O retrato era de um menino. E aquele menino era Jesus Cristo. Apenas um GIF poderia transmitir minha surpresa naquele momento, e eu tive um milhão de perguntas imediatamente. Por que essa imagem é tão perturbadora para mim? Por que ele parece uma mulher? Quem pintou isso? Eles queriam que ele parecesse com uma mulher? Onde a pintura seria apresentada?

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Como a indústria da beleza convenceu as mulheres a depilar as pernas

Existem relatos históricos de depilação desde a nossa antiguidade. Alguns artefatos indicam que em 1500 a.C. os homens já removiam os pelos do corpo com um depilador feito de sangue de diversos animais, gordura de hipopótamo, carcaça de tartaruga e trissulfeto de antimônio. Os romanos também tinham suas receitas, algumas das quais continham soda cáustica como ingrediente. Cleópatra tirava seus tão indesejáveis pelos com faixas de tecidos finos banhados em cera quente. Os romanos associavam a pele lisa e sem pelos à classe e pureza.

Na Idade Média, a Igreja católica esperava que as mulheres cristãs mantivessem os seus pelos como uma forma de feminilidade, mas que os escondessem em público. Esse pensamento perdurou até a Era Vitoriana, que foi até o início do século XX, quando as pessoas no geral ainda usavam vestimentas que cobriam o corpo todo e mal deixava a pele aparente.

O texto a seguir apresenta a transformação moderna por meio de propaganda que trouxe de volta a depilação aos corpos femininos em conjunto com as roupas abertas no contexto dos Estados Unidos do começo de 1900.

Falando por mim, desde criança eu nunca gostei da estética dos pelos corporais. Durante a minha adolescência eu entrei em desespero quando começou a brotar pelos no meu corpo todo (inclusive costas e bunda). Hoje sou adepto da depiladora elétrica e dificilmente passo uma semana sem usar.

Traduzido de Vox

Em 1920, quando uma jovem cortou a pele ao raspar a perna, não foi apenas um acidente. Foi uma noticia nacional, porque depilar as pernas era algo totalmente incomum:

"Moça se corta ao depilar as pernas para usar meia aberta"
Depilar as pernas virou notícia nacional em 1920. Seattle Star/Biblioteca do Congresso

Como as mulheres raspando suas axilas e pernas passaram de uma história incomum em 1920 para a moda vigente em 1950?

A melhor pesquisa que encontrei responsabiliza essa mudança a uma campanha publicitária sustentada para mudar a forma como as mulheres se arrumam.

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Os estereótipos da masculinidade viking estão incoerentes

Traduzido de Time

Parte da imagem que temos hoje dos antigos povos vikings é uma caricatura da masculinidade – o guerreiro de cabelos compridos ainda está incorporado nos logotipos ou publicidades de produtos que apelam para um suposto ideal de comportamento viril. Mas a realidade escandinava da era viking abrangeu muito mais, incluindo uma verdadeira fluidez de gênero. O patriarcado era uma norma da sociedade viking, mas que foi subvertida a cada passo, muitas vezes de maneiras que – fascinantemente – foram incorporadas às suas estruturas.

Os vikings certamente estavam familiarizados com o que hoje seria chamado de identidades queer. As fronteiras de gênero eram rigidamente policiadas, às vezes com conotações morais, e as pressões sociais impostas a homens e mulheres eram muito reais. Ao mesmo tempo, porém, essas fronteiras eram permeáveis a um grau de sanção social. Há uma tensão clara aqui, uma contradição que pode ser produtiva para quem tenta entender a mente viking.

Esses temas e conexões podem ser analisados nas sepulturas da época. Os arqueólogos determinam o sexo dos mortos enterrados através da análise de seus ossos (o que é confiável, embora não 100% certeiro) ou DNA (que usa uma definição cromossômica que geralmente é incontroversa). No entanto, em muitos casos os falecidos foram cremados, ou as condições de preservação no solo foram desfavoráveis à sobrevivência do osso em qualquer estado. Nesses casos, durante séculos, os arqueólogos recorreram à determinação do sexo dos mortos por meio da associação com objetos supostamente de gênero – armas em um túmulo são consideradas para sugerir um homem, conjuntos de joias denotam uma mulher e assim por diante.

Além dos problemas óbvios de confundir sexo e gênero, e também de classificar o pedaço de metal por sexo, essas leituras arriscam simplesmente empilhar um conjunto de suposições sobre o outro no que os decisores forenses chamam de “bola de neve de viés” de interpretações cumulativamente questionáveis.

quarta-feira, 23 de março de 2022

Roupas não fazem de você uma pessoa transgênero

Traduzido de Emma Holiday

Albrecht Dürer - Adão e Eva (Rijksmuseum RP-P-OB-1155)

Me inspirei no artigo da Anna, O que você quer dizer com "sentir-se como uma mulher?", sobre identidade de gênero e a escolha das roupas que fazemos.

A citação que mais me impressionou foi uma resposta que alguém comentou no artigo anterior dela sobre as mulheres não usarem maisvestidos hoje em dia, aparentemente a autora ficou bem zangado:

“As mulheres foram forçadas a usar vestidos durante grande parte da história registrada... Feminilidade não é sobre usar vestido.”

Eu concordo absolutamente que a moralidade patriarcal muitas vezes dita o que as mulheres podem ou não usar. E a religião tem muita relação com isso.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Existe um terceiro sexo? (texto de 1906)

Se você acha que a "ideologia de gênero" é um projeto moderno da esquerda feito especialmente para destruir a família e a heterossexualidade, sinto dizer mas você está enganado. O texto a seguir veio do livro "Mannweiber und Weibmänner" (Homens mulheres e Mulheres homens – Tradução livre) de 1906 escrito por Anne von den Eken e também foi publicado na revista alemã O Terceiro Sexo em 1930.

O artigo trata justamente das pessoas que não se encaixam perfeitamente no binarismo de gênero e questiona a ideia de que exista um terceiro sexo. Na visão da autora, o masculino e o feminino são duas forças fundamentais opostas e complementares que se encontram em todas as pessoas e ela usa da biologia para embasar a origem disso. Sinceramente, eu não esperava que um texto escrito a mais de 100 anos atrás pudesse estar tão alinhado com o que eu penso.

Traduzido de The Weimar Project

Sempre classificamos as pessoas em apenas dois sexos. Mas, por vários anos, o termo “terceiro sexo” tem aparecido com frequência (1). Milhares de pessoas usaram a frase, brincando de improviso ou zombando, sem ter noção de quanta tristeza e sofrimento, quanta luta e desespero se esconde por trás desse termo. Poucos sabem que o “terceiro sexo” não é apenas uma calúnia para excêntricos masculinos e femininos, mas que realmente existe há milhares de anos, sim, presumivelmente já existia na Terra antes dos outros dois sexos. Há estudiosos que querem provar que as primeiras pessoas eram dualistas (2), ou seja, homem e mulher unidos em uma única pessoa.

De acordo com a velha história bíblica da criação, Adão foi criado primeiro, e de seu corpo nasceu Eva. Daí em diante eles viraram “marido e mulher” e estavam literalmente unidos em um só corpo. É bem provável que os antigos cronistas bíblicos quisessem sugerir que pessoas pré-históricas com sexo duplo eventualmente se desenvolveram em pessoas separadas. Não há dúvida de que existiam pessoas na Terra muito antes de Adão e Eva. Como a bíblia fala apenas de uma parte da população da Terra, infelizmente perdemos a história do resto do povo e, portanto, só podemos provar a existência de outros tipos de seres a partir dos vestígios que ainda estão evidentes em nossos corpos de hoje. O fato é que atualmente tanto homens quanto mulheres, depois de tantos milhares de anos, carregam sinais claramente reconhecíveis do outro sexo. O mais marcante deles são os mamilos do homem, que têm o único propósito de amamentar crianças. Mas o corpo feminino também mostra um resquício do masculino em seus órgãos genitais, a saber, o clitóris, que nada mais é do que um pênis subdesenvolvido.

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Bimbo: vulgar por vontade própria

A palavra Bimbo costuma ser empregada de maneira pejorativa na língua inglesa para insultar mulheres consideradas atraentes, sexualizadas, ingênuas e pouco inteligentes, algo parecido com o "loira burra" que já foi muito popular aqui no Brasil. No entanto, o termo Bimbo está passando por uma transformação e, atualmente, pode até ser considerado um estilo de vida.

Para dar um panorama do termo no passado, você pode olhar o artigo "O ano das Bimbos" do New York Post de 2007 onde o tabloide catalogou, de maneira cruel, as mulheres mais notórias daquele ano consideradas por eles como bimbos, incluindo a Amy Winehouse (uma “bimbo-alternativa” que “eles não conseguiram fazer ir para a reabilitação”), Jamie-Lynn Spears (uma “bimbo-em-treinamento” porque ficou grávida aos 18 anos e posteriormente monetizou suas fotos de gravidez), Britney Spears (que se separou naquele ano e raspou a cabeça), Paris Hilton, Mischa Barton e a própria bimbo-protótipo, Anna Nicole Smith.

Durante muito tempo foi assim que o mundo entendeu o que significava a palavra bimbo. O termo era usado para privar as jovens de sua humanidade e de seu livre arbítrio, algo como uma censura moral, e hoje tem até o termo slut-shaming que descreve bem esse tipo de situação. Era inferido a promiscuidade sexual como um sinal de depravação e falta de inteligência. Também era um conceito usado para diminuir o trabalho cultural de algumas das jovens mais poderosas da época.

O termo evocava inconscientemente imagens de grandes seios de silicone, longos cabelos loiros clareados, roupas justas e maquiagem pesada, enquanto comunicava que todas essas coisas eram de alguma forma inerentemente imorais. Inclusive as conotações negativas do termo são oficiais: a definição de Bimbo no dicionário inglês é "um termo depreciativo para uma mulher atraente, mas frívola".

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Por que azul para meninos e rosa para meninas?

Cada geração traz uma nova definição de masculinidade e feminilidade e isso acaba se manifestando nas roupas infantis. Esse negócio de azul para meninos e rosa para meninas é algo relativamente recente pois o costume surgiu apenas no meio do século passado, fora que no caminho ainda teve um empurrãozinho da indústria da moda para incentivar os pais a gastar mais dinheiro com as roupas dos filhos. 

Adaptado de Smithsonian Magazine

O pequeno Franklin Delano Roosevelt, 32º presidente dos Estados Unidos, se apresenta na foto sentado recatadamente em um banquinho, com uma saia branca espalhada suavemente sobre o seu colo e com as mãos segurando um chapéu enfeitado com uma pena de marabu. Cabelo na altura dos ombros e sapatos de festa de couro envernizado completam o conjunto.

As pessoas costumam achar essa aparência meio inquietante hoje para um menino, porém a convenção social de 1884, quando Roosevelt foi fotografado aos 2 anos e meio, ditava que os meninos e as meninas deveriam usar vestidos até os 6 ou 7 anos de idade. Também era nessa idade que costumava ocorrer o primeiro corte de cabelo da criança. A roupa do Franklin era considerada neutra em termos de gênero.

Assim como os outros meninos da sua época, Franklin Roosevelt aparece trajando um vestido na foto.
Este retrato de estúdio provavelmente foi tirado em Nova York em 1884.

Hoje em dia as pessoas tem a necessidade de saber o sexo de um bebê ou de uma criança pequena logo à primeira vista, diz Jo B. Paoletti, historiadora da Universidade de Maryland e autora do livro Pink and Blue: Telling the Boys From the Girls in America (Rosa e azul: separando os meninos das meninas na América, 2012, sem versão em português). Assim, vemos, por exemplo, uma faixa rosa envolvendo a cabeça calva de uma menina.

Por que o estilo de roupa das crianças mudou tão drasticamente?
Como terminamos com duas “equipes”, meninos de azul e meninas de rosa?

“É, na verdade, a história do que aconteceu com as roupas neutras”, diz Paoletti, que explorou o significado das roupas infantis por 30 anos. Por séculos, diz ela, as crianças usaram vestidos brancos delicados até os 6 anos de idade. “O que antes era uma questão de praticidade – você veste seu bebê com vestidos e fraldas brancos; algodão branco pode ser branqueado – tornou-se uma questão de ‘Meu Deus, se eu vestir meu bebê da maneira errada ele vai se tornar um pervertido’ ”, diz Paoletti.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Revista O Terceiro Sexo, um pedaço perdido da história trans

Fiquei tão encantado pelo texto Meu primeiro passeio como mulher que publiquei na semana passada que resolvi buscar mais informações a respeito da revista alemã Das 3. Geschlecht publicada entre 1930 e 1932. Primeiro eu gostaria de citar o site The Weimar Project que está trabalhando para traduzir e publicar todas as edições em inglês e torná-las acessíveis para qualquer pessoa. Fora isso, achei outro texto que apresenta o contexto alemão da época e detalha bem a história do periódico. 

Traduzido de The Paris Review

Hans Hannah escreveu sobre o seu primeiro passeio para a edição inaugural de O Terceiro Sexo (Das 3. Geschlecht), provavelmente a primeira revista do mundo dedicada a questões trans. Publicado pela primeira vez em Berlim em 1930, O Terceiro Sexo circulou nos anos finais da República de Weimar, o experimento democrático do país alemão entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Depois que os nazistas tomaram o poder, eles destruíram a editora e a revista foi amplamente esquecida. Como resultado, a maioria dos relatos atuais cita os Estados Unidos dos anos 1950 como o berço dos periódicos trans. No entanto, a recente republicação em 2016 de O Terceiro Sexo pela Bibliothek rosa Winkel revive vozes perdidas do estranho passado alemão e recupera um notável pedaço da história trans.

A partir do século XIX, a Alemanha era intimamente associada à homossexualidade. Os ingleses falavam do german custom (costume alemão), os franceses se referiam ao termo vice allemande (vício alemão) e os italianos chamavam os homens e mulheres homossexuais de "berlinenses". Pessoas Queer existiam em toda a Europa, com certeza, mas os pensadores alemães naquela época estudaram ativamente as sexualidades não heteronormativas e debateram abertamente os direitos das pessoas queer, inaugurando o campo da sexologia. Na primeira década do século XX, mais de mil trabalhos a respeito de homossexualidade foram publicados em alemão. Pesquisadores da Inglaterra ao Japão citaram sexólogos alemães como especialistas e muitas vezes publicaram seus próprios trabalhos na Alemanha antes de publicar nos seus países de origem.

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Retrato íntimo e glamouroso de mulheres trans na Paris dos anos 60

Gosto muito quando eu encontro fotos e histórias do passado que deixam claro que o movimento transgênero não é "novidade da geração mimimi". Já trouxe aqui coleções antigas como as fotos da Casa Susanna e a exposição Uma história secreta de Cross-Dressers. Dessa vez encontrei o trabalho do fotógrafo Christer Strömholm que registrou o cotidiano das mulheres trans com quem ele conviveu em Paris durante década de 1960.

“Essas são imagens de pessoas cujas vidas compartilhei e que acho que compreendi. Estas são imagens de mulheres – nascidas biologicamente como homens – que chamamos de 'transexuais'. Quanto a mim, eu as chamo de 'minhas amigas da Place Blanche'. Era então – e ainda é – sobre como obter a liberdade de escolher a própria vida e própria identidade", escreveu Strömholm na época da publicação das fotos.

As fotografias em preto e branco, tiradas à noite com a luz disponível, mesclam fotografias de rua e retratos e são, por sua vez, glamourosas e corajosas. Elas capturam uma Paris perdida, desprezível mas elegante, subterrânea mas extravagante, em uma época em que o General de Gaulle estava no poder e pretendia criar uma França ultraconservadora que ecoasse seus estritos valores católicos romanos. Nessa época as travestis eram consideradas foras da lei, regularmente abusadas e presas pela polícia por serem “homens vestidos de mulher fora do período de carnaval”.

Nana. Paris, 1959
Adaptado de New York Times

As fotos tiradas por Christer Strömholm das mulheres com quem ele conviveu compõem um retrato íntimo e sensível de mulheres transgênero décadas antes do movimento ter qualquer visibilidade popular.

Em 1959, Christer Strömholm, então um fotógrafo sueco pouco conhecido, encontrou seu caminho para Paris e para um grupo de pessoas que iriam transformar sua vida, e ele a delas.

O senso de família de Strömholm foi desbotado de maneira sombria pelo suicídio do seu pai e pelo novo casamento de sua mãe com um rico corretor de navios. Quando foi para Paris, ele abdicou o seu status de burguês e se juntou a um grupo de mulheres transgênero desamparadas que viviam na região da Place Blanche de Paris, praça onde se encontra o famoso cabaré Moulin Rouge, e que rapidamente se tornariam seu clã adotivo. “Essa era a família dele, essas garotas”, disse seu filho Joakim Strömholm.

Suas amizades verdadeiras eram com “as pessoas mais indesejadas de Paris”, acrescenta Joakim. “Ele enxergou a beleza delas. Não foi nada voyeurístico, escandaloso, foi apenas uma vida normal que ele seguiu ”.

Cobra. Paris, 1960
Kismie. Paris, 1962
Sabrina. Paris, 1967

As fotos permaneceram guardadas até 1983, quando foram publicadas como um livro, “Les Amies de Place Blanche” (“As amigas da Place Blanche”). Começa com uma breve introdução escrita pelo fotógrafo: “Este é um livro sobre insegurança. Um retrato de quem vive uma vida diferente na grande cidade de Paris, de pessoas que suportaram a aspereza das ruas. ... Este é um livro sobre a busca da identidade própria, sobre o direito de viver, sobre o direito de possuir e controlar o próprio corpo.”

Strömholm morava nos mesmos hotéis que as mulheres que fotografou. Ele comeu com elas, bebeu com elas, saiu para a cidade com elas. Ele levava sua câmera Leica e alguns rolos de filme quando saíam à noite e, ao voltar para o hotel, os revelava em seu quarto. “Se as fotos estivessem mal expostas ou se eu tivesse cometido um erro técnico, não importava. Eu ainda teria outras noites pela frente ”, escreveu ele.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Drag Queens, as rainhas do crossdressing

Hoje em dia quando se fala em Drag Queen logo vem à nossa mente uma imagem fantasiosa de glamour e brilho. Tal percepção é provável que tenha relação direta com o reality show RuPaul's Drag Race que foi ao ar em 2009 e transformou a cultura underground em algo pop, mas essa arte é muito mais antiga e teve seus altos e baixos ao longo dos últimos séculos.
Cheguei a escrever um pouquinho sobre as Drags no post Crossdressing / Crossdresser / CDzinha pois essa arte de transformação nada mais é do que uma vertente do crossdressing que está intimamente ligada às artes performáticas. Nesse post vou me aprofundar na história dessas rainhas.

O início de tudo pode-se dizer que foi o teatro grego. O próprio teatro nasceu na Grécia Antiga (século VI a.C.) e, na época, somente homens podiam interpretar, então os personagens femininos eram vividos por atores homens com máscaras femininas, vale lembrar que as roupas ainda não distinguiam os gêneros direito. A situação se manteve assim por mais de 2 milênios, tanto que as peças de Shakespeare (século XVII d.C.) ainda eram interpretadas exclusivamente por homens.
Pintura: Hamlet recebendo os atores (1875) por Władysław Czachórski

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Crossdressing durante a 2ª Guerra Mundial

Recentemente uma amiga me me indicou a matéria Pesquisador alemão descobre centenas de imagens de 'nazistas crossdressers' do jornal O Globo e achei muito interessante, ainda mais pois no meu post Uma História Secreta de Cross-Dressers (exposição) aparecem várias situações similares então eu resolvi escavar um pouco mais e encontrei esse artigo de um site alemão com mais informações e muitas fotos.

Fonte: Wehrmacht em roupas femininas

Soldados alemães sempre foram vistos como viris, rígidos e duros como prego, no entanto centenas de fotos privadas dão uma visão completamente diferente e enigmática. O artista Martin Dammann apresenta: Crossdressing durante a Segunda Guerra Mundial

Na coleção aparecem soldados das forças armadas da Alemanha (Wehrmacht) dando abraço em camaradas usando roupas femininas, experimentando lingerie ou usando saia e sutiã na frente do emblema da suástica. Hitler começou sua campanha de conquista com esses mesmos soldados e exigiu virilidade em cada operação. Vale lembrar que se trata do exército de um regime que perseguiu impiedosamente, puniu e assassinou homossexuais.

"Provavelmente nenhum exército do mundo foi tão obcecado com a nocividade dos relacionamentos homossexuais masculinos quanto a Wehrmacht no Terceiro Reich", disse o historiador militar de Munique, Franz Seidler, em 1977. Quanto mais avançava a Segunda Guerra Mundial, mais energicamente os comandantes do Exército exigiam intervenção em casos que pareciam "especialmente adequados" para "minar a moral e a disciplina masculina das tropas". A homossexualidade na Wehrmacht foi punida com prisão ou mesmo com execução.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Guevedoces, transexuais biológicos ou crianças andróginas?

Quando pesquisei sobre a história dos transgêneros nas tribos norte-americanas achei muito interessante o fato de algumas culturas tratar as crianças apenas como criança, sem diferenciar as atividades em função do sexo biológico delas e as ensinando desde corte e costura até a caça, assim no ritual de passagem para a vida adulta cada indivíduo estaria apto a decidir por conta própria qual caminho deve seguir.

Recentemente eu tive conhecimento de uma variação genética que faz com que pessoas do sexo masculino desenvolvam o seu aparelho reprodutor somente na puberdade, junto com as características sexuais secundárias, dificultando a percepção do sexo biológico e transformando as crianças em indivíduos andróginos. Essas crianças ficaram conhecidas como guevedoces e foram objeto de estudo na década de 1970.

quarta-feira, 8 de março de 2017

Homens de salto alto, uma história e tanto

Será que homem pode usar salto alto?? Claro que pode, para isso só precisa de ter pés e um belo par de saltos, então não vejo motivo para homem não poder usar salto. Inclusive os homens usaram salto durante muitos e muitos anos, até teve épocas em que usar salto alto era coisa exclusiva de cavaleiro. Leia, a seguir, um pouco da história da relação dos homens com os nossos queridos sapatos de salto.


Não se sabe ao certo como ou quando surgiu o salto alto. Estima-se que o primeiro local tenha sido no Egito devido a murais de 3.500 A.C. indicando o uso do salto pelas pessoas da classe mais alta enquanto o povo andava descalço. Aqui sem distinção de gênero.

Saltinho anabela usado no Egito antigo

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Taikomochi, os homens gueixa

Por acaso você imaginava que a bela cultura japonesa das gueixas nasceu na pele de homens?!
Pois é, no século 13 surgiram os primeiros "bobos da corte" no Japão para entreter aos daymio (senhores feudais) com suas danças, mas a receptividade foi tão boa que eles prosperaram e chegaram a virar grandes artistas, conselheiros do daymio e até guerreiros.

Eitaro Matsunoya em apresentação
Gueixas (芸者) são japonesas do gênero feminino que estudam a tradição milenar da arte, dança e canto, e se caracterizam distintamente pelos trajes e maquiagem tradicionais. Contrariamente à opinião popular, as gueixas não são um equivalente oriental da prostituta; esse é um equívoco ocidental por conta da vestimenta das prostitutas tradicionais ter traços similares aos da cultura gueixa.

Inicialmente as gueixas do sexo masculino eram conhecidas como Houkan (nome formal para bobo da corte) ou Taikomicho (Tocador de tambor) e foram muito populares no período feudal, onde sua principal função era entreter o daimyo. Apesar do nome, nem todos tocavam tambor japonês (taiko), mas assim mesmo o nome acabou se popularizando dessa forma.

As apresentações dos Taikomochi eram focadas principalmente na dança e, com o passar do tempo, eles passaram a divertir os senhores feudais através de outras maneiras como participações em cerimônias do chá, como conselheiros ou como contadores de histórias engraçadas. Na verdade os Taikomochi tinham mil e uma utilidades no feudo. Se o senhor feudal queria se divertir, ele chamava o Taikomochi. Se necessitava de alguém para lutar no campo de batalha, ele chamava o Taikomochi. Precisava-se de entretenimento, conselhos de amor ou de guerra, ele chamava o Taikomochi.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Duas almas: Transgêneros nativos norte-americanos

Falei a respeito da tradição indiana das Hijras no ultimo post relacionado a história, dessa vez encontrei muita informação interessante a respeito do entendimento dos povos nativos da América do Norte quanto a questão do gênero na sociedade deles.

A crença, de maneira generalizada, do povo nativo americano está relacionada a alma da pessoa. Por exemplo, a tribo Siouan acredita que antes de uma criança nascer a sua alma fica diante do Criador que oferece em uma mão o arco e flechas, que indica um papel masculino na sociedade, e em outra mão uma cesta, que determina o papel feminino. Algumas vezes, quando a alma decide por um gênero o Criador troca a mão, em outros casos a pessoa pode ter duas almas, e o comportamento durante a vida é tido como sempre como natural.

Como tem registro de mais de 30 tribos na região com cultura e língua própria, havia uma necessidade de um termo universal que a população em geral pudesse entender, desta forma a comunidade LGBT Nativa Americana adotou o termo "Two Spirit" (tradução: espírito duplo ou com dois espíritos) em 1989 da língua Ojibwe dos nativos da região Manitoba-Winnipeg como um termo guarda-chuvas para os transgêneros e gêneros não binários. Nessa época a comunidade LGBT geral já estava ativa e tinha os seus próprios termos, porém as tribos não concordavam com uma classificação que leva em consideração principalmente a sexualidade (L, G e B da sigla tratam exclusivamente de sexualidade).

Como referência, segue alguns termos utilizados por outras tribos:
- Navajo usam Nádleehí que significa aquele que é transformado;
- Lakota usam Winkté que significa homem que tem compulsão por se comportar como uma fêmea;
- Ojibwe usam Niizh Manidoowag que significa pessoa com dois espíritos;
- Cheyenne usam Hemaneh que significa metade homem e metade mulher.

Na tradição dos nativos americanos, as questões de moral não eram relacionadas de maneira alguma com a sexualidade de uma pessoa, ela é julgada apenas pelo seu caráter e pela contribuição à tribo. Também era costume, em algumas tribos, os pais não forçarem nenhum padrão de gênero durante a criação, por exemplo, as crianças usavam roupas de gênero neutro até chegarem a uma idade em que elas poderiam decidir por si só qual o caminho trilhariam e qual cerimônias seria mais adequada para ela.

Outro detalhe interessante é que os Two Spirit eram altamente reverenciado e as suas famílias consideradas de sorte. Eles acreditavam que poder ver o mundo aos olhos de ambos os gêneros era um dom dado pelo Criador. Sendo assim, era comum os Two Spirit terem cargos de grande respeito dentro da tribo como curandeiros, shamans, visionários, místicos, conjuradores, guardiões das tradições orais da tribo, responsáveis por nomear crianças e adultos, enfermeiros durante as guerras, cozinheiros, casamenteiros, conselheiros matrimoniais, joalheiros, ceramistas, tecelões, cantores, artistas além de cuidaram de crianças órfãs e idosos. Isso também vale para Two Spirit que nasceu com corpo do sexo feminino, esses tinham cargos como caçadores ou guerreiros, dedicados aos papeis masculinos de maneira tão destemida quanto os outros. Dentro dessa cultura era considerado altamente ofensivo forçar um Two Spirit a cumprir o papel tradicional do seu sexo biológico.

Não é a toa que alcançam bons cargos na tribo pois os Two Spirit possuem um intelecto diferenciado, além de habilidades artísticas afiadas e uma capacidade excepcional para compaixão. Pode parecer que estou puxando a sardinha para o meu lado, mas a possível explicação dada para isso é o fato dessas pessoas conviverem com o autoquestionamento.

A seguir apresento a história de alguns Two Spirit:
Squaw Jim, à esquerda, e sua esposa.

Squaw Jim nasceu um homem biológico com duas almas e está vestido com roupas femininas nessa foto.

Ele serviu como batedor em Fort Keogh e ganhou reputação por bravura após salvar a vida de um companheiro de tribo na Batalha do Rosebud em 17 de junho de 1876.
We'wha talvez seja um dos mais famosos Two Spirits.

Nasceu homem biológico com alma feminina.

Todos a descreviam como uma pessoa muito inteligente, tanto que se tornou embaixadora da tribo Zuni em Washington. A elite americana a denominava "The Zuni man-woman" (A homem-mulher da tribo Zuni).
Osh-Tisch da tribo Crow.

Nasceu mulher biológica com alma masculina. Foi permitido a tomar os papéis femininos e masculinos na sociedade e era conhecido por obter excelência em ambos.

Sua habilidade de costura lhe valeu o direito de fazer a pele de búfalo usada pelo chefe da tribo, além disso também era conhecido por sua ferocidade nas batalhas. Inclusive, a sua força como um guerreiro lhe rendeu o nome Osch-Tisch que significa "Encontre-os e Mate-os".


Pena que nem tudo são flores e a história se repetiu como no caso das Hijras na Índia.

O primeiro contato com os povos nativos foi um choque para a cultura dos europeus. Quando Cristóvão Colombo encontrou os Two Spirit pera primeira vez, ele e sua equipe fizeram questão de jogá-los em buracos com seus cães de guerra. O tratamento desumano oferecido pelos cristãos foi apenas o começo do holocausto nativo americano.

Existem relatos das primeiras expedições dos jesuítas e dos exploradores franceses contando histórias a respeito de homens nativos que tinham "se entregue ao pecado" e de mulheres caçadoras. Em 1530, o explorador espanhol Cabeza de Vaca escreveu em seu diário sobre homens "molengas" que se vestem como as mulheres em tribos da Florida. Por conta do preconceito europeu contra os povos nativos, os monges católicos espanhóis destruíram a maioria dos registros dos astecas para erradicar as crenças e história dos nativos, incluindo registros sobre tradição dos Two Spirit

George Carlin, Dance to the berdache (Dança aos two spirit)
O pintor chegou a comentar que a tradição dos Two Spirit nas tribos
"deve ser extinta antes que possa ser mais plenamente registrada"
Obs: Berdache é um termo pejorativo para se referir aos Two Spirit.
Durante o período de colonização, os europeus exigiram que todas as pessoas atuassem em conformidade com os seus dois papéis de gênero prescritos, então era comum os Two Spirit serem forçados, por funcionários do governo ou representantes cristãos, a assimilar esse papel. Aqueles que sentiram que não poderiam fazer essa transição passaram viver na clandestinidade ou cometeram suicídio. Outro detalhe, também aconteceu a imposição de leis de casamento euro-americana invalidando os casamentos do mesmo sexo que antes eram comuns entre as tribos da América do Norte.

Estranho como o suposto mundo civilizado não tem nada de civilizado e os costumes tribais, a princípio estranhos, são bem coerentes. Triste lembrar que a nossa cultura está impregnada com esses pensamentos retrógrados.

Para finalizar, segue um texto do Russell Means, um integrante da tribo Lakota que foi ator no filme O Último dos Moicanos (1992) e foi um ativista dos direitos dos nativos americanos.

"Na minha cultura temos pessoas que se vestem metade homem, metade mulher. Winkte, nós os chamamos em nossa língua. Se você é um Winkte, saiba que é um termo honroso e que você é um ser humano especial, e entre o meu povo e todas as pessoas da Plains (agrupamento de várias tribos) consideramos você um professor para as nossas crianças e estamos orgulhosos do que e de quem você é"

Fontes: IndianCountry e QueerHistory

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Igualdade, Liberdade e Fraternidade

O título desse post refere-se ao lema da Revolução Francesa iniciada no final do século XVIII cujo objetivo era acabar com privilégios feudais, aristocráticos e religiosos, ou seja, promover direitos igualitários. Não preciso me aprofundar muito no tema para dizer que essa revolução, em conjunto com a independência americana, conseguiu transformar a sociedade moderna e difundiu esse pensamento por todo o mundo.

Mais de 200 anos se passaram e ainda existem diversos movimentos, sejam eles grandes como o Movimento Feminista ou pequenos grupos LGBT locais que buscam Igualdade nos direitos, Liberdade para se expressar ou mesmo se apresentar da maneira que gosta (como eu) e esperam um sentimento de Fraternidade de quem não faz parte da causa.

Já repararam que, a grosso modo, a maioria dos movimentos buscam Igualdade, Liberdade e Fraternidade?

A bandeira francesa simboliza os marcos da Revolução Francesa

Mesmo assim me entristece muito quando ouço coisas como "homossexual não gosta de travesti por causa disso", "travesti não gosta de crossdresser por causa daquilo" ou qualquer coisa nesse sentido. Não entendo mesmo. Por que minorias se desgastam entre elas? Qualquer minoria entende o que é sentir preconceito, então por que usar essa mesma arma com outros?

Vejo que muitas pessoas buscam aceitação por parte da sociedade, mas será que aceitação é o termo certo? Aceitação é o ato ou efeito de concordar ou anuir e eu não acho que as pessoas precisam concordar com o meu estilo de vida. Eu não acho que elas precisam me julgar e me aceitar do jeito que eu sou. Eu acho que elas só precisam me ver como apenas uma pessoa vivendo a sua própria vida.

Então eu, pessoalmente, prefiro buscar Liberdade. Claro que eu sempre tenho que lembrar que minha Liberdade acaba onde começa a Liberdade do próximo, ou seja, posso fazer o que quiser contanto que isso não afete terceiros.

Um exemplo prático, um dia desses um colega de trabalho estava indignado por que ele viu um rapaz usando salto alto na frente do Teatro Guaíra aqui em Curitiba. Sério. Para ele, esse tipo de coisa era uma falta de respeito. Sério mesmo. Quando ele falou isso para mim, esperando um sentimento recíproco, eu só perguntei "Tá, e daí?". Não existe muito argumento, o rapaz estava para entrar no teatro e estava usando um sapato de salto, e daí? Se ele usasse o salto como algum tipo de arma para sair batendo nas pessoas seria uma situação diferente, mas o sapato estava no pé dele e ninguém é obrigado a ficar olhando para ele.

Sobre a Igualdade eu volto a falar do tal Movimento Feminista que tem como objetivo conquistar o acesso a direitos iguais entre homens e mulheres. Não me limitaria a direitos, talvez diria que o que precisa é respeito, não importando se é homem, mulher, trans, cis, cross, homo, hétero, enfim igualdade entre as pessoas resume bem essa ideia.

Exemplo, já se perguntaram por que mulher sem camisa é algo do outro mundo enquanto homem sem camisa é tranquilo? Ou por que um homem galinha é um cara fodão enquanto uma mulher galinha é uma sem vergonha? Ou até mesmo coisas como homem que é homem não chora? Todos são pré-conceitos que se encontram fortemente incrustados na nossa sociedade e que, para mim, são super ultrapassados.

E, por fim, "a ideia de Fraternidade estabelece que o homem, como animal político, fez uma escolha consciente pela vida em sociedade e para tal estabelece com seus semelhantes uma relação de igualdade, visto que em essência não há nada que hierarquicamente os diferencie: são como irmãos (fraternos). Este conceito é a peça-chave para a plena configuração da cidadania entre os homens, pois, por princípio, todos os homens são iguais. De uma certa forma, a fraternidade não é independente da liberdade e da igualdade, pois para que cada uma efetivamente se manifeste é preciso que as demais sejam válidas." Wikipédia

Essas ideias são centenárias mas sei que ainda precisamos difundi-las. Peço que reflitam e me ajudem, vamos questionar a sociedade para evoluirmos juntos!

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Hijras, as trans do sul da ásia

Me empolguei com o tópico de história e resolvi escrever um pouco sobre as Hijras! No geral elas não são consideradas nem homens, nem mulheres. Em países como o Paquistão ou Bangladesh são oficialmente reconhecidas como terceiro sexo. No entanto, para muitas pessoas elas são consideradas lendas vivas ou semi-deusas por entregarem a sua essência (seu pênis) para a deusa Bahuchara Mata.


Estima-se que hoje vivem aproximadamente 1,9 milhões de Hijras somente na Índia. Elas se organizam em pequenas comunidades de 5 ou mais chelas (discípulas), chefiadas por uma guru, normalmente a mais velha do grupo. Quando uma chela se transforma em Hijra, após treinamento nas artes do canto e dança e em outras atividades que possam lhe tornar economicamente ativa, assume o sobrenome e passa a ser um membro da família da guru.

Parte da renda delas vem dos rituais realizados em festas de casamento ou de nascimento de uma criança. Elas chegam cantando e dançando nos locais sem precisar de convite e pedem uma contribuição para irem embora. Se atendidas, abençoam o casal ou o recém nascido. Caso contrário, rogam pragas. Os indianos acreditam que a emasculação confere poderes mágicos e que atrapalhar o ritual delas pode trazer azar.


No entanto, assim como no Brasil, a maioria dessas meninas vivem marginalizadas na sociedade e o bruto da renda delas vem da mendicância e da prostituição. No caso delas, porém, essa marginalização tem relação direta com o colonialismo britânico durante o período de 1858 até 1947. A cultura ocidental "superior" do Reino Unido considerava que castas como a dos andarilhos, comerciantes itinerantes, nômades, ciganos e eunucos eram um problema de lei e de ordem para o Estado, então em 1871 foi publicada a lei "Criminal Tribes Act" que criminalizava tribos como a das Hijras.

Antes da existência desta lei as moças eram bem aceitas na sociedade, inclusive residiam em palácios reais como protetores do reino! Se pensar bem essa classe se originou com os eunucos que eram castrados na infância e treinados para cuidar dos grandes haréns de príncipes e sultões, sendo assim no mínimo elas tinham uma posição de confiança dentro dos palácios.

Vilã em Appu (2000)
Depois que a lei foi sancionada muitos estereótipos negativos passaram a ser associados a elas. Eram acusadas de rapto de crianças, suas cerimônias passaram a ser vistas por atrair má sorte, também eram acusadas de forçar jovens rapazes a castração e, o equívoco mais comum, era que se tratavam apenas de homens vestidos com saris (vestimenta feminina). A maioria desses estereótipos foram reforçadas ao longo do tempo através de novelas e filmes que retratavam as Hijras como antagonistas, masculinos, fortes e malignos.

Hoje quem se esbarra com elas nas ruas mal sabe que se trata de uma cultura milenar. Existem citações sobre as Hijras em documentos antigos como os épicos sânscritos Ramayana ou Mahabharata, ambos textos sagrados de grande importância para o hinduísmo que foram datados como escritos entre 500 a.C. a 100 a.C mas que surgiram muito antes e sobrevieram pela tradição oral.

A cultura sul asiática abraçava a diversidade a milênios atrás! A mitologia deles está repleta de lendas sobre mudança de sexo como deusas que se transformavam em homens, deuses que se transformavam em mulheres e deuses com atributos ao mesmo tempo femininos e masculinos, como a andrógina Ardhanarishvara (junção de Shiva e sua consorte Parvati).

Para a sociedade indiana, que enfatiza as maravilhas e bênçãos da reprodução humana, a impotência masculina é um grande motivo de vergonha, mais até que a homossexualidade. Por isso que muitos pais entregam seus filhos com traços de feminilidade para as casas de Hirjas para que cresçam em meio a seus "iguais" e aprendam a ser uma delas, karma que acreditam estar predestinado os efeminados. Um dos testes para a adesão à comunidade era a prova de impotência onde colocavam uma chela para dormir com uma prostituta por um certo período de tempo e a monitoravam.


Atualmente algumas Hijras estão envolvidas na política para tentar reverter sua situação social buscando maior respeito da comunidade. Algumas conseguiram expressiva votação. Em 2000 Shabnam Musi foi eleita deputada para Assembléia Legislativa de Madhya Pradesh. A Kamla Jaan assumiu a prefeitura de Katni e sua correligionária Asha Devi a de Gorakpur.

Apesar de toda a diversidade de pensamentos vistos no hinduísmo, o discurso e a prática no país ainda são bastante contraditórios, com muitos resquícios da ocupação britânica. Mesmo assim, a religião hinduísta é uma das mais condescendentes com o público LGBT!

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

História da distinção entre gêneros na moda

Desde pequeno eu sempre me perguntei por que existem roupas exclusivas para mulheres. Nem ouso dizer que existem roupas exclusivas para homens pois até a cueca já tem versão feminina, então roupa de homem na pratica é roupa unissex e de mulher é exclusiva de mulher.

Tá, mas por que isso?

Fui atrás de informação nos livros de história da moda e acabei descobrindo que tenho que me aliar ao movimento feminista! Entenda mais a seguir.


A história do vestuário tem início nos primeiros usos de materiais para cobrir o corpo. Na imagem anterior, podemos observar que até o período da Grécia antiga o visual do homem e da mulher são muito parecidos em todos os aspectos, são basicamente tecidos cobrindo e protegendo o corpo.

Num momento seguinte, podemos notar uma certa diferenciação no visual de ambos os sexos. No entanto, se excluirmos as diferenças nas silhuetas, tanto os tecidos quanto a decoração dos vestuários são os mesmos tanto para homens quanto para mulheres.

A moda, como tendência de consumo, nasceu nas cortes europeias em meados do século XV e era usada como ferramenta para representar o status. Do seu nascimento até a Revolução Francesa, os nobres e burgueses se enfeitavam numa exaltação de riqueza e de luxúria procurando dar enfatização puramente social a suas roupas. Não é a toa que o salto alto foi popularizado nessa época entre os homens, assim como grandes perucas e outros acessórios.

O único aspecto que tinha diferenciado sexualmente o vestuário era o fato de os homens poderem mostrar a forma das pernas enquanto as mulheres cobriam as pernas com vestidos longos, mas o motivo era mais para facilitar a locomoção deles. Acredito que foi a época mais feliz para quem tinha tendências crossdressers (e fosse rico ou nobre)!!

Com a Revolução Francesa aquela imagem dos nobres da corte que não produzem nada e ficam se emperequetando com a suas grandes perucas, tecidos coloridos e saltos passou a ser muito mal vista pela sociedade, neste momento a moda virou sua atenção totalmente para o trabalhador, simplificou as peças de roupa e se difundiu rápido por todas as classes, apesar da ornamentação que continuava a distinguir a burguesia. Pode-se dizer que nesse estava nascendo a moda masculina que chamamos de contemporânea.

Já achamos alguns culpados, os nobres da monarquia absolutista fizeram com que algumas peças de roupas fossem mal vistas em homens até hoje. Falta falar sobre o feminismo.

O século XIX caracterizou-se pelo conservadorismo no vestuário masculino e a resistência à mudanças. Esta ação foi mantida por sucessivas campanhas contra o excesso na roupa de homem e o modelo masculino começou a ser formatado pelos alfaiates, revistas masculinas e livros de etiqueta, fazendo surgir o conceito de gentleman. Ao mesmo tempo, todas as tendências contrárias a esta corrente eram ridicularizadas.

Caricatura de um Macacori, um estilo nobre que tenta manter o status
 mas que foi ridicularizado durante século XIX
É nesta altura que se torna evidente o propósito da roupa masculina como um traje muito mais confortável e de fácil movimentação. Durante esse período também surge a imagem de que o homem deve trabalhar fora de casa, viajar e sustentar a mulher e a família. Assim, para o homem o ornamento tinha sido posto de lado em prol da carreira e era necessário ter uma imagem masculinizada forte, já a mulher era a vitrine da sua prosperidade.

Chegamos ao século XX e a Grande Guerra Mundial foi a causadora da nova reviravolta. Enquanto os homens estavam se matando, as mulheres tiveram de assumir o controle da maioria das funções sociais que antes estavam exclusivamente nas mãos de homens. A partir dos anos 20, começam a surgir as primeiras calças para mulher. Nos anos 30, o vestuário profissional feminino surgiu profundamente inspirado no masculino. Isso impulsionou o desenvolvimento de roupas femininas, possibilitando uma nova gama de peças e acessórios.

Após o período de guerras, as mulheres perceberam que poderiam fazer tudo que os homens faziam, tanto que na hora que apertou elas foram colocadas para trabalhar e mostraram resultado! Então o movimento feminista começa a dar os seus paços em meados dos anos 60.

Nesse post eu não vou me aprofundar muito no movimento feminista, mas gostaria de lembrar que ele tem como objetivo conquistar o acesso a direitos iguais entre homens e mulheres!! Elas conquistaram o "direito" de usar peças masculinas quando entraram no mundo que era exclusivo masculino.

Para mim, está claro que hoje não existe mais mundo exclusivo masculino ou exclusivo feminino então busco o direito de usar a roupa que eu bem entender, ou mesmo ser quem eu bem entender. No fim das contas, concluí que eu também busco direitos iguais entre todos e aderir ao movimento feminista me parece ser algo bem sensato. Em outros posts eu devo falar mais sobre isso