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Traduzido de Mel Magazine
Ela não é trans. Ela não é drag queen. Para ela, ser uma cdzinha é um pouco mais complicado. (veja aqui a diferença entre os termos)
Annie é uma mulher de meio período.
Algumas vezes por mês, ela veste uma meia calça, passa batom rosa-choque nos lábios e coloca uma peruca cheia de cachos ruivos. Ela posa para algumas fotos, tiradas pela esposa, e juntas, elas vão em encontros como duas garotas apaixonadas.
Em outros dias, porém, Annie é Andrew. Annie, porém, está satisfeita com esse arranjo – ou seja, passar mais tempo como Andrew do que como Annie. Ela já lutou contra o desejo de ser feminina, sentindo-se culpada e confusa sobre sua identidade de gênero. Mas, por meio da introspecção e com a ajuda da esposa, descobriu que se sentia feliz ao abraçar seu lado feminino parte do tempo, enquanto ainda vivia o dia a dia como um homem. Ela se perguntava se era uma mulher trans, mas, no fim das contas, percebeu que se identifica como gênero fluido e não binário.
Muitas pessoas que vivem como homens sentem o mesmo. Para alguns, ser mulher por algum tempo é uma forma de explorar e abraçar as nuances de sua identidade de gênero, como Annie. Para outras, é uma atividade sexual, um fetiche no qual são despojadas de sua masculinidade e, consequentemente, de seu poder e dignidade. Para outro subconjunto, é uma combinação dos dois, muitas vezes de maneiras que elas próprias não compreendem completamente.
O lado mais fetichista de ser uma mulher de meio período é conhecido como sissificação. Ela gira em torno da fantasia de um homem ser transformado em uma mulher hiperfeminilizada, ou uma sissy. Em alguns casos, é um jogo consensual de não consentimento. O homem é despojado de sua masculinidade, obrigado a usar roupas femininas, lingerie, maquiagem e peruca; ao mesmo tempo, ele se torna sexualmente submisso. "Adoro quando a minha esposa assume o papel dominante enquanto eu estou no modo menina e me diz coisas realmente picantes e malucas sobre ser uma garota indefesa", explica Annie.
Para Annie, isso é diferente de drag. "Para mim, drag é mais uma performance extravagante e chamativa para fins de entretenimento. O que eu faço parece mais uma expressão da minha identidade e personalidade. Não que drag não seja ótimo – simplesmente não é o que eu faço", diz ela.
Algumas cdzinhas se interessam mais pela experiência individual de transformação de gênero. Mas Sophie Valentine, de 45 anos, está entre aquelas que apreciam mais a companhia e a comunidade de suas companheiras cdzinhas. Quando não é Sophie, ela vive como um homem comum na Grécia e trabalha como desenvolvedor de software. No Twitter (onde tem cerca de 16.000 seguidores), ela compartilha fotos de outras cdzinhas recebidas por mensagem direta. Para ser aprovada, a foto deve ser de corpo inteiro, com o rosto da pessoa.
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Foto publicada em @mysissysecret |
Por sua vez, Valentine se identifica como crossdresser. “Quero mostrar às pessoas que crossdressers podem ser tão lindas quanto uma mulher. Quero mostrar às pessoas o que escondemos no armário. Não somos apenas brinquedos sexuais; nos sentimos felizes apenas sendo femininas, afeminadas e feminizadas”, Valentine me escreve por mensagem direta.
Ela gostaria de se apresentar como mulher o tempo todo, mas as exigências da vida não permitem. Ou seja, ela tem um trabalho agitado e mora com colegas de quarto. “Ainda estou no armário, mas me visto de mulher o máximo que posso e fico assim por horas”, explica. “Quando saio e olho para as mulheres, não penso: ‘Quero transar com elas’, mas sim: ‘Queria ser como ela’.”
Annie também costumava guardar esses sentimentos no armário. Aos quatro anos, descobriu que tinha uma queda por usar os vestidos da irmã mais velha. Mas quando sua mãe a descobriu brincando de se produzir, disse que não era algo que meninos pequenos deveriam fazer. Então, durante anos, Annie lidou com a culpa e a confusão em relação ao seu desejo de, às vezes, querer ser uma menina. "Eu passava por períodos em que me arrumava – muitas vezes como uma fuga ou uma espécie de cobertor de segurança. Isso me ajudava a me acalmar", diz ela. "Mas aí eu me sentia culpada e tirava todas as minhas roupas e maquiagem. Depois repetia tudo."
Na verdade, Annie achava que era algo do qual ela teria que se "curar" para ter um casamento e uma família normais. Felizmente, porém, a esposa de Annie, com quem está casada há seis anos, está aceitando sua feminilidade de meio período. Dito isso, ela ainda não se assumiu para todos em sua vida, nem planeja se assumir. Grande parte da sua disforia de gênero, no entanto, foi aliviada simplesmente por ocasionalmente poder ser Annie.
Para outros, a feminização tem menos a ver com disforia de gênero e muito mais com sexo. Por exemplo, o blog SissyGirlSanctuary se identifica como "um lugar para inspirar positividade e abraçar a feminilidade interior", mas oferece principalmente uma lista de sites pornográficos com vídeos de sissificação ou vídeos pornográficos de hipnose que encorajam o ouvinte a se feminizar, links para sites com treinamento para virar bimbo e um guia para sites que vendem lingerie e gaiola de castidade.
A controvérsia, é claro, acompanha a natureza hipersexual desses ramos da sissificação. Um exemplo: mulheres trans no Reddit /r/AskTransgender já discutiram como homens interessados em sissificação por razões puramente sexuais podem prejudicar mulheres trans que lutam pela validação de sua identidade. "A pornografia em si me incomoda? Não. Se é isso que você quer, quem sou eu para te impedir? Me incomoda que as pessoas pensem que isso é uma representação generalizada de pessoas trans? Claro que sim", escreveu uma usuária.
Valentine não tem certeza se é uma mulher trans ou não. Mas mesmo que seja, ela diz que não está em um momento da vida em que a transição seja uma grande possibilidade. Além disso, sendo Sophie em segredo, ela se sente mais confortável com quem precisa ser quando não é Sophie – ou seja, apenas mais um cara normal vivendo na Grécia.
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Texto escrito pela Magdalene Taylor para a revista Mel |