quarta-feira, 31 de maio de 2023

Lingerie para homens: uma história sem frescuras

Traduzido de Mel Magazine

Como a seda e a renda ajudam certos homens a entrar em contato com o seu lado feminino

É hora de dar um jeito nas roupas íntimas masculinas, pensaram Kristina e David Bonfield depois de se casarem em Hong Kong em 1986 e passarem a lua de mel na Mongólia e na Rússia no Expresso Transiberiano. A única coisa que os manteve aquecidos no inverno frio da Sibéria foi a malha térmica de seda que eles compraram na China. A calça de cintura alta e a blusa de manga comprida disforme não eram sexy, mas os mantinham aquecidos. Mais importante, era fácil de lavar e secar mesmo viajando em temperaturas congelantes. Ao todo, foi o suficiente para inspirar um momento “e se”. Ou seja: e se pudéssemos pegar esse tecido, tingi-lo de vermelho escuro ou azul brilhante e fazer uma cueca masculina e uma regata com ele?

“Nossos três primeiros designs foram batizados de: 'É hora de dar um jeito nas roupas íntimas masculinas'”, diz Kristina, agora com 62 anos. Eles publicaram desenhos das cuecas de seda em jornais britânicos locais (que é onde eles estavam morando) e as pessoas começaram a enviar pedidos de compra – junto com um feedback crucial. “Recebemos ligações de homens de toda a Inglaterra que diziam que amavam nossas roupas íntimas, mas perguntavam se poderíamos fazer alguns designs mais femininos”, lembra Kristina.

Os homens admitiram sentir vontade de usar lingerie, mas até então esse desejo significava pegar emprestado de suas esposas, que era muito largo na altura da bunda e muito estreito na virilha. Depois de receber meia dúzia de ligações em um mês, os Bonfields perceberam que havia todo um mercado sendo ignorado. Então, em 1992, eles lançaram Apres Noir Lingerie for Men, um nome escolhido porque Kristina passou um tempo em Paris e achou que soava misterioso. (O nome depois mudou para Xdress quando eles se expandiram para os EUA porque ela diz que a maioria dos americanos teria dificuldade para entender as palavras francesas.) Foi a primeira marca de lingerie desenhada para homens, apresentando uma coleção de sutiãs, calcinhas e bodys.

Os clientes típicos, diz Kristina, eram caminhoneiros, fazendeiros e banqueiros heterossexuais e casados (ao invés dos homens interessados em se produzir como Drag, que faziam tucking e “não precisavam daquele espaço extra que nossos designs ofereciam”.) “Os homens disseram que gostavam de usar a lingerie por baixo do macacão ou do terno, pois aliviava o estresse ao permitir que acessassem seu lado feminino”, explica Kristina. Em particular, ela acrescenta, a seda macia contra seus testículos oferecia um alívio da necessidade incessante de “se tornar homem” e, como ninguém podia ver os ursinhos sob seus macacões, a trégua durava o dia todo.

Hoje, quase 30 anos depois, a Xdress oferece uma gama de modelos sensuais que os homens podem escolher – calcinhas, sutiãs, cintas-liga, camisolas, leggings, bodys, espartilhos e camisolas, todos os quais estão sendo adquiridos por uma clientela cada vez mais jovem, graças à presença crescente da marca nas redes sociais.

Na década de 1990, porém, não era tão fácil de vender. “A maioria da imprensa depreciava nossa lingerie”, diz Kristina. Tudo isso definitivamente se inclinava para o divertido e, portanto, a maioria das manchetes soava algo como: “Os homens realmente querem usar esse tipo de coisa?” seguido de algumas piadas. Mas os Bonfields não se importavam, já que apesar do tom eles acabavam divulgando sobre a existência de homens que realmente queriam usar esse tipo de roupa. (Eventualmente, no entanto, eles começaram a recusar aparições na mídia – incluindo o entrevistador Geraldo e o Howard Stern Show – porque depois de um certo ponto, a cobertura negativa não estava fazendo mais nenhum favor a eles.)

Barbara Winter, uma terapeuta sexual na Flórida, diz que o desejo de homens heterossexuais de usar lingerie vem do desejo de aliviar a ansiedade mantendo fisicamente a feminilidade por perto. “Esse fetiche atinge esse objetivo”, explica Winter, apontando para o trabalho de Robert Stoller, um psiquiatra da Clínica de Identidade de Gênero da Universidade da Califórnia que, em meados da década de 1950, introduziu pela primeira vez o termo “identidade de gênero”. Como Stoller argumentou em seu livro Sexo e Gênero de 1968, os homens buscam se conectar cedo com seu lado feminino, e esse desejo pode persistir na idade adulta. “Ele terá alguma ideia do que significa ser feminino, a ponto de ter fantasias como 'eu gostaria de ter um bebê' ou 'eu gostaria de ter seios'”, escreveu Stoller. “E, no entanto, um homem que se sente feminino enquanto se traveste está excitadamente consciente de ser um homem. Essencial para o seu fetiche são os dois aspectos da identidade de gênero: o último, eu sou feminino, e a identidade central anterior, eu sou (apesar disso) um homem”.

Parceiros masculinos vestindo roupas íntimas femininas podem beneficiar muito um relacionamento, explica Emily Masters, uma autora britânica que escreveu mais de duas dúzias de livros sobre feminização erótica e disciplina com lingerie, todos relacionados ao lado fetichista de ser uma mulher em tempo parcial, também conhecido como sissy. Como Masters me disse, homens vestem lingerie e algumas mulheres gostam de vê-los fazer isso – por vários motivos.

Para começar, a lingerie costuma ser uma porta de saída das cuecas simples e práticas com as quais os homens estão acostumados. “Calcinha de seda ou meias de náilon parecem estranhamente eletrizantes contra a pele”, diz Masters. “Um sutiã ou um espartilho têm uma pressão incomum na pele e geralmente inclui babados – fechos, tiras e arames, fitas, rendas e laços – que são estranhos às roupas masculinas. Enquanto isso, as associações sensuais permitem que os homens acessem partes proibidas dos corpos das mulheres pelas quais se sentem naturalmente atraídos.

Depois, ainda tem a frenesi de ninguém saber o que ele esconde debaixo do terno e gravata. “O risco de ser flagrado adiciona emoção a uma reunião de negócios que, de outra forma, seria mundana”, observa Masters. “E mais tarde, pode esquentar as coisas debaixo dos lençóis. A inversão de papéis no quarto e além permite que um homem pare de ser super-masculino e expresse aspectos reprimidos de sua personalidade.

Da mesma forma, ela aponta, as mulheres compartilham muitas das mesmas razões para querer ver seus homens em lingerie – ou seja, é uma exibição de seu lado mais suave e submisso, bem como um tabu. “Acho profundamente excitante a ideia de um homem se colocar voluntariamente em uma situação difícil especialmente para mim”, admite Masters. “Meu marido é muito homem e eu não gostaria que ele fosse diferente, mas é realmente excitante vê-lo se submeter a algo sedoso como forma de demonstrar seu amor.”

Ela está se referindo à disciplina de lingerie, ou fazer um homem usar roupas íntimas femininas para mudar seu comportamento (por exemplo, exigir que ele use calcinha no trabalho para que ele se lembre dela). “Posso fazer meu marido usar sutiã para lembrá-lo de quem é seu verdadeiro chefe”, explica Masters. “Ou amarrá-lo em um sutiã apertado e desconfortável como uma penitência por fazer comentários insensíveis.”

Na esperança de falar com homens que têm afinidade com macacões e meias-calças pretas, visitei o falecido reddit MenInLingerie (Homens em lingerie) – de slogan: "Renda não é só para meninas" – que tinha 546 assinantes modestos, mas ativos no fórum. Lá eu conheço Danny, um homem casado de 52 anos do sul da Califórnia que me diz que é “principalmente heterossexual”, apesar de alguns encontros com colegas do ensino médio. Ele foi apresentado pela primeira vez a homens usando lingerie enquanto navegava em busca de pornografia no Tumblr, e quanto mais ele via, mais ele procurava por si mesmo. “Eu nunca me senti realmente atraído por caras, mas um pau feminizado eu aparentemente acho atraente”, ele admite. O próximo passo lógico era experimentar alguma lingerie, começando com a calcinha de sua esposa, apesar de serem muito pequenas para ele. “O fator descarado era realmente excitante”, diz ele, já que sua esposa é “muito baunilha” e não sabia nada sobre sua predileção por calcinhas. (Dizer a ela, ele explica, "não seria nada bom".) Desde então, ele passou a comprar suas próprias lingeries online, começando por um body arrastão bem justo.

Outro homem de 32 anos igualmente “quase hétero” chamado Vic, de “algum lugar do hemisfério sul”, me disse que também usa lingerie por causa do fator tabu. “Eu gosto de quebrar as regras e me sentir sexy”, diz ele, acrescentando que gosta de rendas, fio dental e “qualquer coisa que faça minha bunda parecer bonita”. Atualmente, isso inclui três conjuntinhos e oito calcinhas (mais ou menos).

Enquanto isso, Elijah, um havaiano de 24 anos que se coloca como “cerca de 5 na escala Kinsey”, usava uma calcinha fio dental de renda preta sob uma camiseta de malha quando fui apresentado a ele. “Sinto-me atraído pela malha porque é bem piriguete”, explica ele, observando que é a “justaposição” que ele mais gosta em usar lingerie. “Sou rouca e peluda, mas fico imediatamente elegante usando lingerie.” Pergunto se ele já se travestiu completamente, mas ele descarta a pergunta imediatamente – perucas e maquiagem arruinariam totalmente sua amada justaposição. “A produtora erótica Gentlemen's Closet produz vídeos de homens de meia-calça, 7/8 e cinta-liga, todos com ÓTIMA justaposição”, enfatiza.

De sua parte, Alex, um heterossexual de 32 anos de Montreal, possui 30 sutiãs, 50 calcinhas, 6 leggings sensuais e uma dúzia de bodys. Sua primeira lembrança de crossdressing foi usar um maiô de menina aos quatro anos de idade em uma brincadeira. Mesmo assim, ele se lembra de achar “emocionante” desafiar o padrão de gênero na época. Um ano depois, ele perguntou à mãe se poderia experimentar o sutiã dela e o resto é história. Alex explica que está particularmente interessado em sutiãs, já que são exclusivos para mulheres. Os homens poderiam usar tangas, leggings ou salto alto, mas “sutiãs são feitos apenas para as mulheres manterem os seios no lugar. É por isso que gradualmente me interessei mais por sutiãs do que por qualquer outra coisa. Ele admite que os sutiãs são inúteis para um homem, mas mesmo assim encoraja os homens a usá-los e qualquer outra coisa que traga alegria – “coisas curtas, coisas macias, coisas rendadas, coisas sensuais, coisas coloridas, coisas femininas”.

Ainda assim, apesar da paixão de Alex et al por rendas, um medo considerável paira sobre os companheiros da comunidade MenInLingerie serem pegos com a mão na gaveta de calcinhas. Rakesh Mahtolia, proprietário da Snazzy Way, uma marca indiana de lingerie com ofertas para homens e mulheres, me disse que o comentário mais comum que recebe em seu blog é: “Quero experimentar, mas e se minha esposa me pegar?” Ele tenta evitar essas preocupações com um vídeo do YouTube intitulado “Como reagir quando sua esposa pega você roubando a calcinha e o sutiã”. Suas dicas incluem:

  • “Não se sinta culpado, sujo e ridículo. Apenas explique para ela por que você estava fazendo isso."
  • “Ria e diga a ela que esse é o fetiche mais comum e que muitos homens têm.”
  • “Diga a ela que você a ama e a aprecia por ser seu pilar de sustentação.”
  • “Se segure! Um homem de verdade – um homem cheio de amor, convicção e com auto-estima e confiança nas alturas; um homem no controle de sua vida – em primeiro lugar, aceitará a si mesmo por quem ele é e não se sentirá compelido a se desculpar por isso! Um homem de verdade – um homem forte, um homem de força e coragem – não tentará esconder seu lado feminino de ninguém e para aqueles que ainda não chegaram a um acordo com esta simples verdade, saiba que nenhum ser humano é 100% masculino ou 100% feminino”.

“Um homem que usa lingerie feminina é mais do que apenas um homem”, Mahtolia me diz pessoalmente, ao mesmo tempo em que observa que a Snazzy Way recentemente ultrapassou a marca de 5.000 clientes. “Ele fica mais sensível, se torna uma pessoa melhor, um pai melhor, um marido melhor e até um funcionário melhor.”

A última marca de lingerie para homens a chegar ao mercado vem da Austrália. A HommeMystere foi fundada em 2009 pela dupla de marido e mulher Brent e Lara Krause e vendeu mais de US$ 1 milhão em sutiãs rendados, calcinhas combinando, camisolas de seda, bonecas e macacões em mais de 30 países. A inspiração surgiu da frustração de Brent com as mesmas velhas ofertas no corredor de roupas íntimas masculinas da loja de departamentos, enquanto a seção feminina era brilhante e colorida. “Eu pensei: por que não podemos ter um pedaço disso?” ele me diz. “Nunca consegui entender por que as roupas íntimas femininas eram feitas de tecidos leves e malha macia, enquanto as nossas eram o oposto.”

Dito isso, ele compara o início de um negócio de lingerie masculina a nadar contra a correnteza e “de vez em quando encontrar uma enchente, como quando os fornecedores inicialmente se recusaram a trabalhar conosco com base nos estilos dos nossos vestuários”. Como esse exemplo: o tweet a seguir de Donald Trump Jr. que se tornou viral e fez com que seus seguidores ridicularizassem a marca HommeMystere como se ela fizesse parte de um grande movimento conspiratório de “feminização” que está flertando com homens americanos “confusos”.

O texto diz "Talvez no Halloween ou se você perder muito uma aposta...
ah, quem eu estou enganando, nem mesmo assim. Quem está empurrando esse lixo?" 

Quanto a mim, depois de passar a última semana estudando lingerie masculina, cheguei à mesma conclusão do Danny do Reddit: eu precisava experimentar. Mas, infelizmente, não tenho esposa, namorada ou colega de trabalho para roubar calcinhas, então pedi aos Krauses da HommeMystere que me enviassem alguns dos seus modelos mais vendidos.

Conjunto da marca HommeMystere

O elemento tabu é realmente revigorante, o que percebi depois de usar o sutiã de renda Chloe o dia todo no escritório, combinado com a calcinha rosa choque Bianca sob minha calça Levi's. Achei extremamente divertido guardar um segredinho travesso de meus colegas de trabalho enquanto os ouvia tagarelando na sala de conferências. E por um momento considerei surpreender meu próximo encontro do Grindr com uma camisola de seda modelo Nadia.

Essa sensação, porém, rapidamente passou. O fato é que nunca lutei para acessar meu lado feminino. (Afinal, eu sempre fui abertamente gay.) Mas, como receber palmadas ou terapias equinas – ambas as quais eu também já investiguei para esta revista – pude definitivamente perceber como alguns caras podem se beneficiar ao ceder seu controle masculino por algumas horas, deslizando em uma camisola.

Afinal, você se veste como a pessoa que deseja ser, certo?

O texto diz "Regra 26: se vista como quem você deseja ser.
De uma lista de 40 regras que inspirou o meu livro 12 Regras da Vida" 
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Um comentário:

tammilee.tillison@gmail.com disse...

Lingerie é pura sedução aguçada por 3 sentidos: visão, olfato e tato.