quarta-feira, 29 de março de 2023

9 narrativas erradas a respeito de pessoas trans

Traduzido de David Valdes

Como as vozes anti-trans estão enganando você – e apostando que você não fará sua lição de casa.

Políticos e especialistas têm dito muitas coisas negativas sobre pessoas transgênero e não-binárias já faz um bom tempo, e agora essas palavras estão sendo consolidadas em leis que afetarão a vida dessas pessoas de todas as idades, e também afetarão suas famílias e comunidades.

Se você realmente não conhece pessoas trans e está ouvindo apenas as vozes anti-trans mais barulhentas, pode ser perdoado por pensar que as afirmações comumente repetidas parecem verdadeiras ou razoáveis. Na realidade, as forças anti-trans dependem de informações factualmente erradas, às vezes repetindo mentiras conscientemente ou distorcendo meias-verdades por razões políticas, enquanto esperam que você não olhe mais fundo.

Aqui está o que você precisa saber sobre os maiores mitos sobre a vida trans hoje.


Mito: Essas identidades são uma invenção moderna

Fato: Essas identidades foram observadas e registradas por milhares de anos.

Há uma grande diferença entre ser uma minoria ao longo da história e nunca ter existido. Algo que parece ser novo para você não o torna novo para todos.

A identidade trans foi registrada em desenhos e esculturas que datam da idade do bronze – e vão além. Diferentes culturas ao redor do mundo tiveram diferentes respostas e diferentes papéis para pessoas que viveram fora do binário de gênero ou o cruzaram.

Dos sacerdotes sumérios de 5.000 anos atrás aos Muxes mexicanos e Hijra indianas, há exemplos que abrangem milênios. Não sabe nada sobre os nativos americanos de duas almas ou sobre o femminiello italiano? Não ouviu falar do mahū havaiano pré-colonial ou do Fa'afafine de Samoa? Nem sobre os Taikomochi do Japão? Tudo bem: o mundo é vasto! Você não saber nada sobre isso revela apenas o quão difícil é ser educado em todas as disciplinas existentes, mas com certeza não é a prova definitiva de que a inconformidade de gênero seja novidade.


Mito: a identidade trans não é natural.

Fato: A mudança de gênero e a diversidade de gênero ocorrem amplamente na natureza.

Não estamos sozinhos: o mundo animal está cheio de animais que podem mudar de sexo ou ter mais de um sexo ao mesmo tempo. Você gosta do adorável peixe-palhaço Nemo da Disney? Machos dessa espécie como Nemo e o seu pai Marlin podem fazer naturalmente a transição de sexo para fêmeas para manter a sociedade de peixes-palhaço fluindo da maneira que deveria, já que esta espécie requer uma fêmea dominante em cada unidade. De hienas a cardeais e dragões barbudos, o binarismo de gênero não é universalmente fixo na natureza.

Isso não é exatamente um segredo de estado se você for um biólogo. Sim, parece “senso comum” para não-cientistas, cujas conclusões são baseadas apenas em sua experiência subjetiva com uma espécie, mas isso está tão longe de ser factual quanto pode estar.


Mito: Pessoas trans são mentalmente doentes.

Fato: Os médicos dizem o contrário. Negar cuidados de afirmação de gênero é um risco à saúde.

Não podemos decidir o que conta como doença mental apenas porque algo está fora da nossa própria experiência. Se nos voltarmos para os especialistas, como a American Medical Association e a American Psychiatric Association, descobrimos que ambas concordam que identidades trans não são algum tipo de doença mental.

O sofrimento emocional pode, no entanto, estar presente antes que alguém seja afirmado em sua identidade de gênero. Isso assume a forma de um estresse conhecido como disforia de gênero, uma condição médica amplamente reconhecida com tratamentos aceitos coletivamente chamados de cuidados de afirmação de gênero. Esses tratamentos podem aliviar a dor e proporcionar resultados saudáveis – a mesma abordagem que os profissionais de saúde oferecem para enxaquecas, psoríase, pressão arterial baixa ou milhares de outras condições humanas que surgem sem estigma.

A saúde mental de uma pessoa pode piorar ao ser negado o acesso a cuidados de afirmação de gênero e/ou ao ser maltratado por sua não conformidade de gênero. A culpa não é da pessoa trans, mas daqueles que prolongam ou exacerbam a disforia. Aqui está uma analogia: se você tem pele naturalmente clara e sofre uma queimadura terrível em um passeio de barco porque ficou muito tempo no mar sem uma cabine coberta, a queimadura não foi causada por sua pele, mas pela exposição prolongada a raios nocivos somada à sua incapacidade de buscar uma cobertura.

Se você realmente está preocupado em promover uma melhor saúde mental, apoie tratamentos que aliviam a disforia de gênero e acolha pessoas trans em suas identidades.

(Também vale a pena notar que estigmatizar doenças mentais reais não ajuda ninguém, muito menos as milhões de pessoas diagnosticadas com transtornos de saúde mental.)


Mito: A afirmação de gênero é rápida, fácil de alcançar e muitas vezes vem de uma decisão precipitada.

Fato: O processo é lento, deliberado e baseado em evidências.

Alguns chamam a afirmação de gênero de uma moda passageira adotada impulsivamente por crianças. Conhecer os fundamentos do processo revela que isso é falso.

O processo geralmente é assim: uma criança com disforia de gênero geralmente apresenta angústia. Os cuidadores (geralmente os pais) procuram orientação médica. Além do exame médico, haverá aconselhamento para ajudar todas as partes a entender a natureza da disforia e se há outros fatores em jogo.

Uma vez identificada a disforia de gênero, o padrão de atendimento inclui um período contínuo de aconselhamento de um profissional. Isso pode ser seguido (quando indicado) pelos chamados bloqueadores de puberdade (que seguram os hormônios da puberdade, mais especificamente para dar tempo para uma tomada de decisão bem cuidadosa). Depois disso, alguns podem procurar terapia hormonal, para fornecer a seus corpos o equilíbrio hormonal que sustenta seu gênero. Intervenções médicas cirúrgicas podem ou não vir em seguida. (Detalhe: na verdade, não é preciso espelhar nenhuma imagem corporal específica para ser uma trans.)

As crianças não podem acessar impulsivamente nenhum dos itens acima, pois os menores sempre precisam de consentimento para receber tratamento médico, e a terapia hormonal não está nem disponível para crianças.

Simplificando, não há uma maneira rápida ou precipitada de concluir esse processo.


Mito: Os pais “woke” estão “forçando” a transição em seus filhos.

Fato: Não é possível para um pai forçar uma criança a fazer afirmação de gênero.

Os pais não podem simplesmente forçar as crianças a fazerem transições médicas, porque uma série de provedores de cuidados de saúde reais devem concordar e estar envolvidos por um longo período de tempo. O ponto de partida é que esses profissionais médicos devem concordar que a identidade de gênero se origina na criança – caso contrário, não é afirmação de forma alguma.

Os cuidadores devem trabalhar junto com os profissionais – psicoterapeutas, endocrinologistas e pediatras, para começar – qualquer um dos quais pode sinalizar preocupações sobre a persistência de uma criança ou a adequação do protocolo para essa criança.


Mito: Cuidados de afirmação de gênero devem ser banidos para evitar efeitos colaterais irreversíveis.

Fato: Os médicos priorizam os benefícios à saúde em detrimento dos efeitos colaterais para muitos procedimentos que salvam vidas.

Os dois efeitos colaterais mais comumente discutidos dos cuidados de afirmação de gênero são danos à densidade óssea e possível esterilização. Ambos contêm elementos de verdade aplicados seletivamente a pessoas trans, mas não a outras pessoas.

A densidade óssea pode ser interrompida durante o uso de bloqueadores da puberdade, que os provedores podem monitorar. No entanto, quando os bloqueadores terminam e/ou a terapia hormonal começa, o crescimento ósseo retorna. Alguns argumentam que esse retorno ocorre tarde demais, que o tempo crucial de desenvolvimento ósseo ocorre na mesma idade em que os bloqueadores da puberdade são normalmente usados, o que significa que os bloqueadores da puberdade não deveriam ser permitidos.

No entanto, os déficits de densidade óssea estão associados a vários tratamentos médicos aceitos, incluindo tratamentos de câncer infantil, que ninguém está tentando banir. Por que não? Porque a lógica afirma claramente que a densidade óssea não deve ter precedência sobre os altos valores de vida mais longa e melhor saúde geral. É exatamente por isso que os profissionais médicos endossam o uso de bloqueadores da puberdade.

É verdade que certas pessoas trans que usam hormônios ficarão estéreis. O fim da terapia hormonal pode, em alguns casos, reverter isso (dependendo do sexo, idade e outros fatores). Tal como acontece com o efeito dos bloqueadores da puberdade na densidade óssea, os médicos e os adultos legais que consideram a  terapia hormonal estão enfrentando uma escolha comum no tratamento de outras condições. Uma paciente pode optar por uma histerectomia, sabendo que isso significa que não poderá mais engravidar; um paciente com câncer pode procurar quimioterapia, o que também pode levar à esterilização. Tudo se resume a uma equação médica padrão: o que serve melhor ao paciente, mesmo considerando os possíveis efeitos colaterais?

Os políticos que tentam proibir a tomada de decisões com base em informações médicas apenas para cuidados de afirmação de gênero estão despojando pacientes, cuidadores e profissionais médicos de seus direitos. Eles não estão protegendo ninguém.


Mito: Pessoas que destransicionam provam que toda afirmação de gênero deve ser banida.

Fato: A grande maioria daqueles que destransicionam o fazem em resposta a danos/pressões externas sobre pessoas trans.

Aqueles que não persistem em uma identidade trans podem ser considerados destransicionados, e sua existência é usada para justificar muitos dos projetos de lei anti-trans. Mas isso é razoável?

Embora os estudos mostrem taxas de destransição muito baixas para aqueles que fizeram afirmação cirúrgica, estima-se que 13% das pessoas identificadas como trans tenham destransicionado em algum momento (geralmente no início do processo e nem sempre permanentemente); suas experiências são absolutamente válidas. Mas o primeiro grande estudo sobre o assunto revelou que a grande maioria daqueles que destransicionaram atribuiu essa decisão a fatores externos (família desaprovadora, outros ambientes não afirmativos e exposição à violência), não à sua própria identidade. Banir a afirmação de gênero para 87% ou mais da população trans não faz sentido como forma de responder a essa situação.

Os ativistas anti-trans frequentemente afirmam que as taxas de destransição revelam um potencial de arrependimento do paciente e que essas novas leis impedirão as pessoas de fazer mudanças físicas que possam desejar desfazer mais tarde (se um paciente seguir esse caminho). No entanto, nenhuma intervenção semelhante está sendo exigida para cirurgia estética, que gera altas taxas de arrependimento, por exemplo, ou tratamentos de câncer (que têm as mesmas taxas de arrependimento que a destransição).

Essa abordagem de “eu sei o que é melhor para você”, aplicada seletivamente por esses ativistas apenas a pessoas que eles não entendem, mistura um pouco de Big Brother com preconceito direto. Adultos (que são os únicos autorizados a fazer a transição médica) devem ser livres, em consulta com seus profissionais de saúde, para determinar seu próprio destino.


Mito: Pessoas trans são uma ameaça à segurança pública.

Fato: As estatísticas mostram que justamente o oposto que é verdade. São as pessoas trans que enfrentam ameaças contínuas.

Como as táticas de medo são tão politicamente eficazes, os ativistas anti-trans citam continuamente a ameaça imaginária de alguém usando sua identidade trans para prejudicar outras pessoas em espaços públicos. Mas esse não é o caso em cidades que concedem explicitamente às pessoas trans direitos civis e/ou acesso a acomodações públicas. Na verdade, os exemplos mais comumente citados variam de imaginários a ações reprováveis de homens cis (cujos direitos certamente não estão em perigo).

O que é, no entanto, estatisticamente comprovado é que as pessoas trans são muito mais propensas do que as pessoas não trans a serem alvo de violência (tanto contra seus corpos quanto contra suas casas) e sofrem discriminação no trabalho e no sistema de saúde. Se abordar ameaças reais e prováveis é o objetivo, então não são as pessoas trans que deveriam ser apontadas como as infratoras.


Mito: Projetos de lei anti-trans irão “salvar” crianças.

Fato: Projetos de lei anti-trans prejudicam crianças.

Como a Associação Médica Americana e a Academia Americana de Pediatria têm argumentado, os projetos de lei anti-trans não prolongam a vida ou a saúde das crianças. O oposto que é verdadeiro.

Ser negado tratamento médico baseado em evidências, ser alvo de bullying e enfrentar rejeição social pode ser mortal para qualquer um, e isso é especialmente verdadeiro para crianças trans. O preço de tais ataques prolongados ao bem-estar é visto em taxas crescentes de desejos suicidas, automutilação e lutas de saúde mental.

Para a nossa sorte, uma solução clara foi comprovada: as taxas de danos diminuem drasticamente quando o atendimento de afirmação de gênero é fornecido.


Conclusão

Quase tudo o que você ouvirá das forças anti-trans é falso ou aplica um padrão diferente às pessoas trans do que a todos os outros. Isso não é justo nem moral. Você precisa saber e compartilhar a verdade:

As identidades trans e não conformes de gênero existiram ao longo da história e em toda a natureza. Especialistas médicos agora concordam que a identidade trans não é uma doença mental. No entanto, a falta de acesso aos cuidados de saúde necessários, aliada à rejeição da sociedade, pode levar ao sofrimento e até à perda da vida. Cuidados de afirmação de gênero são baseados em evidências e não podem ser acessados impulsivamente por ninguém. Eles podem aliviar esse estresse, gerando resultados muito mais positivos. A população trans nunca foi uma ameaça para os outros, mas, em vez disso, foi ameaçada pela mesma ignorância, retórica de ódio e preconceito daqueles que legislam contra a afirmação do cuidado hoje.

Se você realmente quer salvar vidas, não dê ouvidos às pessoas que lhe vendem notícias falsas para obter ganhos políticos. Lute contra legisladores que negam assistência médica e direitos civis à qualquer pessoa!

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