quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Desassociação entre identidade e fetiche

Traduzido de Claudia Tyler-Mae

Um dos problemas de compreensão no submundo da libertinagem sexual é a associação de sexualidade com identidade. Para alguns, a imagem dela define a pessoa. Para outros, essas são duas coisas totalmente distintas.

Essa é a diferença entre slut shaming e slut walks (slut shaming é quando pessoas são julgadas de maneiras pejorativas por se comportarem/vestirem fora de um modelo considerado tradicional, enquanto no slut walks, conhecido no Brasil como Marcha das Vadias, as mulheres protestam contra a crença de que as vítimas de estupro provocam a violência por conta de seu comportamento ou pela sua roupa). Também podemos visualizar isso claramente no BDSM, onde alguns bottoms podem sair de uma sessão de humilhação com a cabeça erguida, enquanto outros correm por quilômetros para se esconder de todos. No discurso público, analogamente se questiona se as pessoas podem jogar videogames violentos sem serem necessariamente violentas.

Parece-me que isso está ligado à incapacidade das pessoas de desassociar a imagem (ou a palavra, ou mesmo o ato) da identidade de alguém. Uns ficam felizes em adotar publicamente uma imagem excêntrica ou explorar um papel de gênero ou papel social diferente do deles e não sentem que isso defina quem eles são, apenas como uma exploração momentânea. Já aqueles que associam um ao outro, porém, sentem a ligação como uma constante atrelada a sua identidade (exemplo: "se eu experimentei sexo anal, isso quer dizer que virei gay?").

Isso causa problemas quando um determinado grupo adota estilos e comportamentos que outro grupo relaciona com uma sexualidade específica, ou vê como algo misógino ou humilhante. Não que isso seja um argumento para dizer que um lado é mais “liberal” do que o outro. Alguns pervertidos felizes e confiantes também podem ser "literalistas", que fazem a associação direta de que se você quer agir como uma vagabunda, então você deve simplesmente seguir em frente e sempre se apresentar como uma vagabunda. A capacidade de desassociar ou não define como você se expressa, não as coisas que deseja expressar.

Dada a natureza incrivelmente visual da nossa sociedade moderna somada aos pequenos pedaços de identidade que compartilhamos por meio das mídias sociais, essas duas abordagens diferentes parecem estar na raiz de diversas discussões. Cada postagem é uma fatia de alguém dizendo “olhem para mim”, e os espectadores pode interpretar isso como “isso é o que eu sou” ou “isso é apenas um ato de expressão meu”.

Quando coisas como fetiche, gênero, drag e sexualidade são confrontadas, talvez valha a pena reconhecer que cada um de nós se expressa com expectativas muito pessoais de como o resto do mundo interpretará essa expressão. Sem entender essas intenções, estamos aplicando nossos próprios preconceitos e as vezes podemos estar muito errados.

Claudia Tyler-Mae, autora do texto

Complementando o texto, encontrei esse artigo no jornal britânico The Guardian onde um homem fala sobre a preocupação dele por ser homem hétero e ter fantasia de ser uma mulher transando com outro cara.

Mensagem: "Eu sou um homem hétero, mas às vezes fico excitado com a ideia de ser uma mulher realizando um ato sexual com outro homem. Não tenho desejo de mudar de gênero e é mais como assistir a uma cena sexy para mim – não acho que eu realmente queira realizar essa fantasia. Perturba-me pensar assim e às vezes posso ficar obsessivamente preocupado com isso. Já tive pensamentos obsessivos de todos os tipos no passado."

Resposta da terapeuta: Muitas pessoas ficam perturbadas por suas fantasias; as imagens podem ser embaraçosas, repugnantes e até inaceitavelmente chocantes. Mas é perfeitamente comum alguém ter fantasias sobre atos sexuais que não se tenha intenção de realizar. E nossas fantasias podem conter cenas envolvendo personagens improváveis que protagonizam cenários que representam nossos desejos profundos – mesmo que não os reconheçamos como.

Se você se identifica com a mulher em sua fantasia, pode ser que você simplesmente sinta excitação quando se conectar com os alguns conceitos eróticos da cena – por exemplo, receber penetração, ser submisso e assim por diante. E comum encontrar homens – gays ou heterossexuais – que gostam de encenar sexualmente como sendo mulheres e recebendo penetração, dominação ou punição por um homem ou mulher (fetiche de feminização).

Experimente se você quiser, mas tente aceitar que suas fantasias são misteriosas e privadas. Você não precisa se preocupar com elas nem mesmo compartilhá-las com outras pessoas. Por outro lado, a obsessão pode causar todos os tipos de problemas na vida de uma pessoa. Considere procurar tratamento terapêutico para isso, especialmente se você sentir que as suas obsessões estão afetando negativamente a sua vida pessoal ou as pessoas a sua volta.

Pamela Stephenson Connolly é uma psicoterapeuta residente nos Estados Unidos
especializada no tratamento de distúrbios sexuais
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