quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Transgêneros e a necessidade de modificações corporais

Esse é um tema bastante explorado pela população trans/cross e, assim como existem diversos caminhos para realizar essa modificações, também existem riscos para se obter o corpo desejado. Antes de abordar as modificações em si eu gostaria de falar sobre a necessidade de mudar o corpo.
Em primeiro lugar, se eu tenho disforia de gênero, adaptar o meu corpo a esse gênero é algo obrigatório??
A minha resposta é não.

Entendo que existem dois grandes motivadores para modificação do corpo, um deles, que eu considero o mais importante, é o pessoal e tem relação principalmente com a autoestima enquanto o outro seria relacionado aos fatores externos e no nosso universo eu posso resumir numa palavrinha: passabilidade.

Cada indivíduo é responsável pelo seu próprio corpo e tem os seus próprios desejos de modificações. Para eu ficar bem com a minha autoestima foi necessário eu emagrecer, ganhar alguns músculos, deixar as unhas compridas e me livrar de muitos pelos. Algumas pessoas preferem investir em cirurgias plásticas ou tratamentos médicos, como é o caso das duas moças, a seguir:
Esquerda: Sahar Tabar, do Irã, fez modificações no corpo para se parecer com a atriz Angelina Jolie.
Direita: Valeria Lukyanova, da Ucrania, fez modificações no corpo para ficar como uma boneca Barbie.
São dois exemplos extremos em que elas modificaram o próprio corpo por motivações pessoais. Está errado? Isso eu não posso julgar, mas se elas fizeram por vontade própria e se sentiram bem no fim então não vejo problemas.

Quanto aos fatores externos, posso afirmar que é algo de grande peso para a população trans/cross, principalmente por que buscar a passabilidade também é uma busca por segurança e qualidade de vida pois uma pessoa que aparenta ser cisgênero provavelmente sofrerá menos violência, terá mais chances de entrar no mercado de trabalho e receberá mais aceitação social. Mas isso não pode ser assim.

Essa semana eu tive a infelicidade de ler esse artigo de uma pediatra em que ela condena o tratamento dado a transgêneros com o seguinte argumento: "nós castramos quimicamente as crianças com problemas de gênero com remédios que param a puberdade. Depois esterilizamos vários deles permanentemente com hormônios do sexo oposto, o que aumenta a chance de doenças cardíacas, derrames, diabetes, câncer e até problemas emocionais". Por um lado eu até concordo com ela, tanto que eu não tenho a menor vontade de fazer tratamento com hormônios, mas garanto que ela não faz ideia do que é viver como transgênero sem ser passável.

Ainda acrescento que a falta de interesse da medicina em relação a esse tema gerou um buraco científico no tratamento com hormônios. O que aconteceu foi que ao longo dos anos muitas pessoas se arriscaram por conta própria tomando remédios que continham hormônios e os médicos passaram a monitorar os resultados, porém em momento algum foi realizado um estudo específico para produzir remédios especificamente para transgêneros. Se você reparar na bula dos remédios irá notar que eles são indicados para fins como tumor de próstata ou menopausa.

Deste modo, entendo que a prescrição de hormônios por parte dos médicos é uma maneira paliativa de ajudar as pessoas com desvio de gênero a viver melhor, no entanto penso que se existisse o devido respeito pelo próximo (seja ele transgênero, gordo, negro, deficiente físico, homossexual, etc) tenho certeza que a busca por modificações corporais iria cair drasticamente. Óbvio que não iria sumir pois, como eu comentei antes, também existem as motivações pessoais para modificar o corpo, mas nada diferente de quem é branco/hétero/cisgênero, por exemplo.

Um fato recente que corrobora com isso é o entendimento do STJ de que transexuais têm direito à alteração do registro civil sem realização de cirurgia, não faz sentido exigir uma mutilação para mudar o texto do documento.

Então se você pensa em mudar o seu corpo a minha sugestão é ignorar os fatores externos e buscar o que é importante apenas para você, caso contrário eu já te adianto que a busca pela passabilidade é um caminho sem fim. Não importa o quanto você modifique o seu corpo vai acabar sobrando alguma característica que será fortemente explorada pelo ódio, seja uma marca de cirurgia ou um cromossomo.

Ao invés de nos forçarmos a mudar para agradar (ou enganar) os olhos de terceiros, vamos lutar por respeito. Falo inclusive para começar entre nós, não é raro ver trans super feminina diminuindo outras por não serem tão passáveis. Temos apenas que respeitar os limites de cada um e aceitar o próximo como ele é. Alias, também é muito importante aceitar a si mesmo como você é ♥
Inclusão com respeito, parabéns Avon pela campanha!
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