quarta-feira, 3 de maio de 2023

Você já imaginou como é ser vista como uma linda mulher transgênero?

Modelo e atriz brasileira Valentina Sampaio

Traduzido de Chichi A

Em 19 de novembro de 2022 meu avião pousou no aeroporto LAX em Los Angeles. Toda vez que penso em Los Angeles, penso nos incêndios florestais de verão, nas pessoas vaidosas, nos desejos superficiais, na necessidade de medir e se comparar com os outros, no glamour externo mascarando a dor interna e em todas as outras coisas indesejáveis que a solidão traz e que o dinheiro excessivo não pode resolver. O ar de Los Angeles cheira a pessoas sem-teto, e suas ruas estão inundadas de usuários de drogas que cheiram ou injetam sem medo uma parafernália de drogas.

Ganhei uma bolsa de estudos da organização Trans Latina Coalition. Sendo assim, eu precisava estar em Los Angeles para receber o meu prêmio. Quando cheguei, decidi imediatamente testar a recepção baixando o aplicativo de paquera OkCupid.

Veja bem, eu sou uma mulher negra que poderia se passar por uma mulher biracial exótica nas estações mais frias com a maquiagem e o penteado certo. Infelizmente isso acaba trazendo junto consigo uma intensa fetichização. Já encontrei homens sem vergonha gesticulando seu pinto para mim em público simplesmente por eu ter uma estética exótica. Também tenho noção do espaço que ocupo neste mundo, estando neste corpo, sob o olhar masculino. Além da minha aparência, também tenho 1,72m de altura e peso 60kg. Portanto, sou, para muitos homens, um pequeno brinquedo dobrável que eles acham que podem pegar e brincar. Devo confessar que muitas das fetichizações que sofri foram de homens que nem sabiam que eu sou uma pessoa transgênero.

Quando os homens descobrem meu gênero, eu imediatamente me torno aquele brinquedo proibido que eles querem usar sexualmente e descartar logo em seguida. É como se eu estivesse cometendo um crime existindo de uma forma que evoca sua atração. “Como uma mulher trans ousa ser tão bonita a ponto de me enganar” é a conversa que imagino que eles pensem consigo mesmos. Nunca passa do sexo – e este é o único privilégio que ser atraente me trouxe. Aliás, isso trouxe uma infinidade de homens com tesão que fetichizam não apenas a minha nacionalidade como imigrante, mas também o meu gênero, o meu sotaque, a minha aparência, a minha cor de pele e até a minha estatura pequena. Nas poucas vezes que consegui um namorado, tive que navegar e bloquear um punhado de tubarões sedentos, esperando que um peixinho dourado mais embaixo me visse como humana primeiro e me amasse com todas as minhas falhas.

Portanto, quando abri o aplicativo OkCupid em Los Angeles, não fiquei chocada com a forma como me tornei “viral”. Trezentos e cinquenta likes em menos de uma hora, mensagens intermináveis de "oi, você tem interesse em ficar juntos?" Por "ficar juntos" eles sutilmente querem dizer sexualmente. Primeiro tive matches com homens do oriente médio que eram bem diretos em me dizer que gostam de mulheres trans negras, depois foi com homens hispânicos, homens brancos e homens negros. O que cada mensagem fez comigo foi me deixar com uma sensação de vazio. Me olhei no espelho e tive vontade de sumir, fugir da vida para um mundo perfeito onde existe amor e nada de fetichismo. Logo apaguei meu perfil porque não conseguia responder às mensagens sexuais aleatórias, fora que muitos começaram a ficar irritados por eu não responder a eles. O resto da viagem virou um borrão.

Embora eu tenha empatia por mulheres que desejam ser vistas como “atraentes” porque entendem que o privilégio da beleza pode significar uma vida mais fácil, me preocupo com a evolução da saúde mental delas. A extrema fetichização que eu enfrento, trouxe para mim uma baixa-estima. Eu deveria ser algo mais para alguém, certo? Ser vista como sexy na sociedade de hoje só te dá sexo e pessoas que te colocam em um pedestal. Descobri que isso traz relacionamentos superficiais, onde muitas pessoas apenas te reverenciam, em vez de te verem como um ser humano comum com falhas. No final, quando a idade cair sobre você como o ar do inverno de Buffalo e você estiver toda enrugada, esses mesmos homens que uma vez o colocaram num pedestal irão te descartar. Tudo o que te restará serão memórias. Você se lembrará do tempo em que você era tudo o que eles sempre quiseram, das mentiras que eles contaram para fazer você se deitar com eles, da maneira como os braços deles se apertavam contra você, de como você lhes trouxe um prazer intenso, e de como alguns deles te ignoraram depois, do vazio nas interações quando tudo o que eles queriam era sexo. Como você se sentiu vazia e como você se tornou solitária. Você perceberá que a beleza é, de fato, passageira. Talvez então você olhe para si mesma e deseje seguir uma carreira, criar um filho, participar de uma marcha, apoiar uma causa ou fazer algo mais do que apenas buscar a beleza. Talvez você perceba que ser vista como bonita nunca deveria ter sido o seu objetivo. Você já conversou com mulheres mais velhas? Elas contaram suas histórias ou mostraram fotos de si mesmas quando eram mais jovens? Tive conversas profundas com algumas dessas mulheres, e a mensagem delas é sempre a mesma. Viva sua vida por você mesma, não por mais ninguém.

Apesar de tudo o que escrevi, devo admitir que ser vista como atraente me trouxe privilégios de uma forma que mulheres trans de pele mais escura ou plus size podem não ter acesso. Estou constantemente buscando abrir espaço para mulheres de pele escura e plus size e sempre presto atenção nas suas histórias e experiências. Enquanto toda mulher sofre sob o patriarcado, as mulheres que se desviam das normas sociais sofrem ainda mais. Para mim tem sido uma fetichização extrema. Para mulheres plus size, posso imaginar que poderia ser pior. Não estou afirmando que é errado ser uma bela mulher transgênero; quero dizer que isso é inerente à minha própria vivencia, e o que enfrentei navegando neste mundo.

A todos que já leram meu artigo, obrigada. Espero escrever mais este ano.

Chichi A, autora do texto
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Um comentário:

Anônimo disse...

E não gostavas de casar e seres feliz sou homem bi