quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Eu era uma pessoa preconceituosa e irritada com a causa transgênero

Sempre achei complicado apontar questões sobre transfobia de maneira geral pois sei que esse meu estilo de vida não é algo tão simples assim de se lidar, mesmo nos dias atuais. Tanto que, por exemplo, na primeira vez que eu participei de um encontro com outras crossdressers eu mesmo tive dificuldades de tratar as meninas no feminino. Na minha cabeça eu pensava "cuidado com os pronomes", mas a medida que a conversa fluía as palavras no masculino iam saindo involuntariamente.

O texto a seguir trás uma questão que ainda vai além. O autor confessa que no passado ele se dava ao trabalho de discutir com pessoas transgênero na internet pois considerava esse tipo de comportamento um absurdo. Até que chegou ao ponto em que ele questionou a origem dessa raiva dentro dele e notou ele mesmo tinha tendências transgênero e não sabia como lidar ou como se aceitar.

Traduzido de Terapeuta Trans

Na minha vida passada, eu era uma lésbica cisgênero. Foi um rótulo de identidade duramente batalhado por mim. Passei a maior parte da minha vida namorando caras e fui bastante feminina por um certo tempo antes de desejar demonstrar minha estranheza de forma mais aparente. Outras mulheres queer me dispensavam e questionavam se eu me sentia atraída por mulheres. Durante esse tempo, li blogs e artigos que focavam em mulheres queer, e inevitavelmente me deparei com o conceito de mulheres trans e pessoas transfemininas.

E eu fiquei furiosa.

Era difícil para mim imaginar ter algum conhecimento interno da identidade de gênero de alguém que não fosse baseado em características sexuais. Algumas mulheres trans descreviam suas experiências como se compartilhassem uma energia indescritível ou um companheirismo com outras mulheres que as apontassem sobre a sua própria identidade.

"Do que essas pessoas estão falando?" Eu pensava com frustração. "Não sinto algum tipo de energia compartilhada com outras mulheres. Na verdade, eu sempre me senti como se fosse de outra espécie. A única coisa que me diz que sou uma mulher são os meus órgãos genitais! Se eu acordasse amanhã com outro conjunto de genitais, eu seria tranquilamente um homem."

Entra então o meu futuro eu transmasculino: "Cara". Como você equipara não entender a ideia de “sentir-se” como uma mulher como uma razão para invalidar a existência de todas as mulheres trans e pessoas transfemininas? Isso não diz muito mais sobre você do que sobre qualquer outra pessoa?

A resposta para isso, claro, é sim. Infelizmente, muitas pessoas reagem às pessoas trans e suas narrativas com nojo, irritação, frustração e até raiva. Isso é particularmente perigoso para as inúmeras mulheres trans negras e travestis que são assassinadas a cada ano e os criminosos quase sempre saem impunes. Alguns teóricos atribuem essas reações à insegurança. No meu caso, isso não poderia ser mais verdadeiro. O que significaria para mim se o meu gênero não estivesse ligado aos meus órgãos genitais? Por que eu era tão ambivalente?

Claro, isso não quer dizer que pessoas cis odiosas são todas pessoas trans enrustidas. Eu não diria isso a respeito da J.K. Rowling sem alguma penitência séria e compromisso de corrigir seus erros, e mesmo assim levaria um tempo. Para mim, isso quer dizer que eles se sentem ameaçados e confusos por suas próprias experiências.

Por que eu me sentia tão frustrada com as mulheres trans a ponto de me engajar a discutir a respeito do tema regularmente, sentada na frente do meu computador fumegando e gritando com raiva na minha cabeça pelas história delas?

Simplificando, eu era uma pessoa preconceituosa. Eu estava confusa, eu estava com medo, e então eu acabava ficando com ódio.

Foi preciso conhecer uma pessoa transfeminina e me apaixonar por ela antes que eu pudesse tirar a cabeça da minha própria bunda. E assim que o fiz, pude me olhar um pouco mais de perto.

Essa namorada me contou sobre uns amigos que eram não-binários. Quanto mais eu lia sobre isso na internet, mais doente eu me sentia. Eu sabia que estava me aproximando de algo que seria difícil de sair uma vez que eu percebesse. E isso me deixou ainda mais assustado. Eu já estava afastado de quase toda a minha família e também havia sido ridicularizado por mulheres lésbicas durante anos. Eu era excessivamente sexualizada por homens cis que achavam que mulheres queer são algum tipo de pornografia da vida real para eles curtirem. Eu era uma garota que sentia aquela necessidade constante de provar que não era inferior a ninguém. Eu poderia passar por isso e sobreviver?

Felizmente, eu poderia, e eu fiz. Abraçar e compreender a minha identidade de gênero e meu verdadeiro eu foi uma das melhores decisões que já tomei. Claro, pode ser difícil e isolador, mas a família que eu construí e a autenticidade que eu desfruto é muito mais razoável ao invés de odiar as mulheres trans porque eu não consegui ser fiel comigo mesmo assim como elas o fazem.

Se você não aceita pessoas trans de maneira geral, você simplesmente não aceita pessoas trans. Você não pode escolher as pessoas trans “bem comportadas” que validam sua insistência em separá-las de homens e mulheres “reais” enquanto rejeita o resto de nós. Você não pode dizer o quanto somos irracionais por querermos respeito sem se encaixar na caixa restritiva em que você viveu por toda a sua vida. Nem todos podemos nos encaixar lá, e nem queremos.

Você fica irritado com a mera sugestão de que pessoas trans existem? Eu imploro que você gaste algum tempo se perguntando por que isso acontece, em vez de decidir que somos todos subumanos. Ou se você não fizer esse esforço, ao menos nos deixe em paz. Nós não estamos machucando você.

Eu tomei o caminho de me sentir rancoroso e venenoso para chegar onde estou agora. Eu sabia naquela época que o que eu estava sentindo era injusto e odioso, e demorei um pouco para mudar de rumo. Você pode buscar outro caminho para a aceitação. Não faça isso da maneira mais difícil, como eu fiz. Conecte-se com a humanidade dentro de você e que todos nós incorporamos. Acredite em mim, é muito mais agradável.

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Um comentário:

Unknown disse...

Quando me visto fico instantaneamente gelada, relaxada e suave.Também em apenas me aceitar quem eu sou e não ter que tolerar nenhum dos machistas que eu suporto ao interagir com meus colegas monótonos. Adoro me vestir e interagir com as amigas. Fica tudo natural que o tratamento sai no feminino com facilidade.