quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Intersexo, uma realidade ignorada

Um dos grandes argumentos que eu ouço de quem é contra esses estudos e questionamentos a respeito de identidade de gênero é que o ser humano é naturalmente binário sendo exclusivamente homem/mulher, XX/XY, macho/fêmea. No entanto, isso está longe de ser uma verdade absoluta pois tanto no ser humano quanto na natureza existem diversos exemplos de indivíduos que nascem com anatomia que não se encaixa na definição típica de macho/fêmea, isso se chama intersexualidade.
Algumas variações são apenas físicas, uma pessoa pode nascer com uma aparência exterior feminina mas com anatomia interior predominantemente masculina, uma moça pode nascer com um clitóris visivelmente grande ou com ausência de abertura vaginal ou então um rapaz pode nascer com um pênis anormalmente pequeno ou com um escroto dividido e com formato mais semelhante a lábios vaginais.

Para se ter uma referência foi proposta em 1995 a escala de Quigley, a seguir, como um sistema descritivo e visual de classificação fenotípica que usa sete classes entre genitais "totalmente masculinizados" e "totalmente feminizadas".
Existem exemplos de caráter bem biológicos que seriam as pessoas com variedade genética diferente do XX/XY, a seguir apresento algumas variações já estudadas pela medicina:
- Síndrome de Turner: anomalia cromossômica cuja origem é a perda parcial ou total de um cromossomo X;
- Síndrome de Klinefelter: se encontra dois ou mais cromossomos X em machos;
- Síndrome XYY ou Síndrome de Jacobs: onde um humano do sexo masculino recebe um cromossoma Y extra em cada célula, ficando assim com um cariótipo 47,XYY.

Fugindo da variação genética, encontrei o caso da Síndrome de Insensibilidade Androgênica que é uma condição caracterizada pela incapacidade parcial ou total das células para responder a hormônios andrógenos como a testosterona. Esta falta de resposta da célula prejudica ou impede o desenvolvimento do pênis no feto, bem como o desenvolvimento de características sexuais secundárias em indivíduos masculinos na puberdade, mas não prejudica significativamente o desenvolvimento de características sexuais femininas.
Também existem citações de intersexo no decorrer da história. Na imagem acima vemos a representação de Hermafrodito que, na mitologia grega, era filho de Afrodite e de Hermes e representa a fusão dos dois sexos mas sem um gênero definido. Teria nascido um menino extremamente bonito que se transformou posteriormente num ser andrógino por haver se unido à ninfa Salmacis. É tão conhecidx que seu nome chegou a virar referência para intersexualidade, porém caiu em desuso.

Até o momento se sabe de pelo menos 30 variações de intersexo e os estudos na área estão longe de acabar. Outro detalhe importante é que se estima que pelo menos 0,5% da população mundial se encaixa na categoria (aproximadamente a população do Canadá, ou seja, é gente pra caramba!!).

Considerando essa quantidade de exemplos é estranho essa condição ser ignorada ou deixada de lado, não acham?
Apesar das variações intersexo serem formas naturais da biologia humana, na medicina ocidental elas são patologizadas e marginalizadas. Na prática muitos bebês são encaminhados para mesa de cirurgia após a constatação da condição de intersexualidade para serem "adequados" ao padrão considerado normal, inclusive os que apresentam corpos perfeitamente saudáveis como a natureza os fez. E a pior parte disso é que os pais recebem a difícil tarefa de determinarem um sexo para o seu bebê sem ter a menor ideia do que se passa na cabecinha da criança. Triste isso, né??
Essa semana saiu uma matéria bem interessante sobre esse assunto e só o resumo dela diz muito: "Relatório alerta para cirurgias desnecessárias em crianças intersexuais. Os resultados apontados costumam ser catastróficos e irreversíveis. Além do risco de atribuir o sexo errado ao bebê, podem ocorrer prejuízos como falta de sensibilidade nos órgãos sexuais, esterilização sem consentimento, dificuldade de regeneração de nervos cortados, cicatrizes difíceis de serem removidas e traumas emocionais". Leia a matéria na integra.

E como saber se sou intersexo??
Compreendendo que as condições de intersexualidade são diversas, podemos nos balizar por indícios como:
- Genitais ambíguos, parciais, duplicados ou ausentes;
- Órgãos sexuais internos ambíguos, parciais, duplicados ou ausentes;
- Composição hormonal que difere dos padrões típicos;
- Variações genéticas e cromossômicas que diferem dos padrões típicos; e
- Características sexuais secundárias ambíguas.
A partir desses indícios pode se supor uma condição de intersexualidade, mas a confirmação só será por meio clínico.

Escrevendo esse artigo e sendo uma crossdresser/travesti/transformista/bigenero (sei lá, rsrs), começa a fazer um pouco de sentido a minha condição. Não sei se sou intersexo por que nunca fiz algum exame, mas sempre ouvi que quando eu estava na barriga da minha mãe o médico deu certeza que eu seria uma menina (isso em 1987). Reza a lenda que o meu pai não acreditou e não deixou comprarem o enxoval por que ele tinha certeza que eu seria um menino. No fim nasceu uma criança com um pênis e nem o médico nem o meu pai estavam errados...
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