quarta-feira, 7 de julho de 2021

Crossdressers são Xamãs culturais

Xamanismo é um termo genericamente usado em referência às práticas etnomédicas, mágicas, religiosas (animista, primal), e filosóficas (metafísica), envolvendo cura, transe, transmutação e contato entre corpos e espíritos de outros xamãs, de seres míticos, de animais, dos mortos. Tais práticas buscam estabelecer uma ligação com o sagrado e o reencontro com os ensinamentos da natureza. Pode-se dizer que não tem origem em um determinado povo ou cultura pois é fruto de um fenômeno que ocorre no início do despertar da própria consciência humana, sendo, assim, uma herança de toda a humanidade. Tanto que é possível observar práticas similares em povos nativos espalhados por todo mundo.

No texto a seguir o Phil percebe nos crossdressers uma visão diferenciada do mundo. Nós tendemos a ignorar a cultura moderna de gênero e buscamos nos ligar aos nossos próprios sentimentos e nos expressarmos numa espécie de contra cultura. Talvez isso nos aproxime da nossa natureza. Talvez isso nos obrigue a ver a sociedade de uma maneira diferente. Talvez isso possa ser balela, mas achei interessante a relação que o autor encontrou e resolvi trazer o texto para vocês!

Traduzido de Phil

Os crossdressers são pessoas de outro mundo com uma visão especial?
Talvez não devemos ser tão facilmente descartados como... o que quer que você esteja pensando.

O status de "homem" ou "mulher", com seus privilégios e vulnerabilidades socialmente atribuídas, costuma ser defendido ferozmente na maioria das culturas (principalmente nas ocidentais). A primeira coisa que queremos saber sobre um bebê é seu sexo anatômico, e essa continua sendo a primeira coisa que queremos saber sobre as pessoas que conhecemos.

Se uma pessoa se aproxima, queremos saber imediatamente "é homem ou mulher?". Usamos as roupas como a principal referência, depois observamos a postura e o jeito de andar. À medida que se aproximam, avaliaremos seus outros comportamentos em relação às expectativas geralmente mantidas para homens e mulheres, ajustadas pelas expectativas que temos em relação à idade, classe ou etnia. Finalmente, notamos sua expressão facial e pequenos detalhes de cuidados se tornam importantes. Cada observação é checada contra as normas de seu gênero repetidamente para interpretação. Queremos saber – aproximadamente nesta ordem – estamos seguros fisicamente? Esta pessoa é de potencial interesse sexual? Essa pessoa poderia ser valiosa para nós?

Não é de se admirar que pensemos que a identidade de gênero e, portanto, a expressão facilmente decodificada, seja tão importante. Nossa vida depende disso!

Ou não é?
Pergunte a um crossdresser.

Tal como os xamãs, nós temos uma experiência diferente com os poderosos gênios do gênero. Não somos apanhados nas visões comuns de gênero que são grosseiramente imprecisas. Podemos perceber que a mitologia do gênero está cegando nossa sociedade para seu próprio recurso mais essencial: a verdade mais profunda de seu povo.

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Porque você não deve supor a identidade sexual das pessoas

Acho que eu já me acostumei com o fato de as pessoas automaticamente suporem que eu sou homossexual por conta da minha identidade de gênero, o que não é o caso. Já fui questionado por familiares, amigos, desconhecidos, até por uma crush sobre isso e cheguei a comentar a respeito disso quando escrevi sobre a minha visita numa balada hétero. No passado eu me incomodava com essa percepção, mas chegou um ponto que percebi que não tinha muito o que fazer e acabei deixando isso de lado.

O texto a seguir foi escrito por uma mulher que não tem a aparência mais feminina do mundo e que passa exatamente pela mesma situação. Acho que isso também tem relação direta com a questão da passabilidade, pois no fundo não existe homem/mulher padrão nem hétero/homo/bi padrão. Cada um tem o seu jeito. Cada um tem a sua aparência. Cada um tem a sua personalidade. E, o mais importante, cada um merece o devido respeito!

Traduzido de Alana Rister, Ph.D.

Não, eu não sou lésbica e o seu gaydar está errado!

Muitas pessoas me veem como lésbica. Desde como me visto até a maneira como falo, aparentemente eu envio um alerta ao gaydar das pessoas. Na verdade, apesar de eu estar em um relacionamento sério com um homem há mais de 5 anos, as pessoas me incentivam a sair do armário.

Eu até entendo por que as pessoas presumem que eu sou lésbica. No entanto, essas suposições me causaram sofrimento e angústia desnecessários. Matou minhas amizades, prejudicou meu relacionamento com a minha família e, por fim, tornou muito difícil a minha autoaceitação.

Provavelmente eu devo ser uma das poucas pessoas heterossexuais que passou por severos questionamentos sobre minha identidade sexual por causa da pressão social. Acredite em mim, eu sei que sou heterossexual.

Desta forma, quero compartilhar as 3 principais razões pelas quais as pessoas presumem que eu sou lésbica e porque a sociedade deve parar de fazer suposições sobre a identidade sexual e sobre a identidade de gênero dos outros.


Minha aparência
De longe, o maior motivo pelo qual as pessoas acham que sou gay é por causa da minha aparência. Minha aparência fica em algum lugar entre andrógina e masculina, dependendo do dia.

Eu tenho um corte de cabelo bagunçado, visto roupas de homem e nem mesmo encosto em maquiagens. Esse visual supostamente masculinizado costuma plantar a ideia de que eu devo ser lésbica.

Eu me identifico como agênero. Isso significa que não me vejo como homem ou como mulher e rejeito a noção de estereótipos de gênero. Embora minha jornada para encontrar minha identidade de gênero tenha sido complexa, isso me deu a liberdade de ser quem eu quero ser sem me sentir constrangida.

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Você é uma acumuladora de roupas?

Não sei bem ao certo se esse texto é um alerta ou uma visão cômica do nosso apego pelas roupas femininas. Ao longo da minha jornada eu pude conhecer meninas que acumulavam sapatos, calcinhas, meias, lingerie... enfim, tem de tudo e um pouco. E, de certa forma, eu entendo esse sentimento. Aos olhos de terceiros parece ser só um pedaço de tecido, mas nós carregamos junto o sentimento de alcançar o inalcançável. Por acaso você se lembra de como foi que você conseguiu a sua primeira peça de roupa feminina? Tenho certeza que você teve que juntar coragem para adquirir essa roupa e isso, no mínimo, marcou a sua vida. Portanto, confira a justificativa disso nas palavras da Cathy Hamilton.

Traduzido de En Femme Style

Tenho certeza de que não estou sozinha nisso.

Pelo que eu percebo, uma porcentagem muito grande de crossdressers, transgêneros e não-binários parecem ter o mesmo problema com roupas que eu – se é que isso possa ser considerado um problema. Em primeiro lugar, não consigo resistir a comprar roupas novas e, uma vez que eu às compro, elas são para sempre, não importa se eu as uso uma, duas vezes... ou nunca! Em suma, nunca as jogo fora... a menos que venha aquele sentimento de culpa ou a vontade de largar tudo. Faça uma pausa aqui e pense com cuidado: você é como eu? Você tem uma proporção de pelo menos dez vezes ou mais (sério) roupas, acessórios ou sapatos femininos do que roupas ou itens masculinos? Seu guarda-roupa feminino faz com que sua coleção de roupas masculinas pareça minúscula em comparação?

A título de exemplo, tenho 2, talvez 3, pares de sapatos masculinos, enquanto tenho mais de 50 pares de sapatos femininos; 5 pares de calças masculinas, enquanto tenho mais de 60 saias; cerca de 7 camisas, e... hmm... bem, é melhor eu nem comentar quantas blusas eu tenho! Se eu tirar uma foto do amplo guarda-roupa que "ela" ocupa em comparação com o compartimento de uma porta que "ele" tem, sei que você vai me entender! Mas talvez a posse desta extensa gama de roupas se deva, em parte, ao fato de que eu nunca me desfaço das minhas roupas; nunca jogo fora qualquer item de roupa feminina, sapatos ou acessórios (bem, a menos que o item esteja totalmente fora de uso ou danificado, mas isso é incomum). Eu acho que parte desse desejo de acumular é genético, já que minha mãe é um pouco acumuladora, mas quando eu pondero as verdadeiras razões me questiono o por quê disso? Posso inventar várias desculpas, digo, indicar razões legítimas, pelas quais eu gosto de acumular, tais como:

quarta-feira, 16 de junho de 2021

HQ - Boneca da Raan (48)

História em quadrinhos traduzida de KannelArt
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Primeiro capítulo
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quarta-feira, 9 de junho de 2021

Por que tanto homem se fantasia de mulher no carnaval?

Por Ruth de Aquino

Botar peruca, maquiagem e salto alto no Carnaval serve para exorcizar a fragilidade masculina do dia-a-dia.

Eles são héteros, muito machos, mas no Carnaval soltam a franga. Essa expressão significa “desinibir-se, geralmente assumindo um lado feminino, alegre”. Não é novidade, e acontece no Brasil inteiro. Eles não se fantasiam de mulher discreta. Precisa ser vulgar e desejável. Salto alto, seios pontudos, maquiagem pesada, decotes... e rebolation. No Bloco das Piranhas ou no Bloco das Virgens, nosso vizinho circunspecto fica irreconhecível até a Quarta-Feira de Cinzas. É tão divertido assim ser mulher?

Não existem blocos de mulheres fantasiadas de homens. Se a mulher quiser se desreprimir, a última fantasia será a de homem. “Mulher já pode se vestir de homem no dia a dia, usar calça comprida, camisa social, mocassim...e ninguém põe em dúvida sua sexualidade. Já o homem...”, diz o psiquiatra Luiz Alberto Py. “Quando Gilberto Gil e Caetano Veloso apareceram de pareô, a reação foi supernegativa. Em 1956, um artista plástico, Flávio de Carvalho, fez um desfile com homem de saia no Viaduto do Chá, em São Paulo, e foi vaiadíssimo.”

Minissaia, vestido de alcinha, frente única, tomara que caia, sandália, shortinho. É tudo ótimo no calor. Mulher tem um enorme leque de variações no vestuário. Homem é mais conservador. As novidades na roupa masculina desde os anos 60 foram a bermuda, a bata e a camiseta regata. Mesmo assim... Vários lugares noturnos e restaurantes admitem mulher de sandália, mas homem não. Mulher de short sim, mas homem de bermuda não.

Mas a roupa é só o visível. A fantasia de piranha desnuda outras fantasias. “O Carnaval é um rito profano e sagrado. O homem se veste de mulher porque quer ser mais afetivo de maneira escancarada, sair beijando todos, de qualquer sexo. Homem afetivo, nos outros dias do ano, é coisa de gay”, afirma o psicoterapeuta Sócrates Nolasco. “É um contraponto. Um momento do ano em que ele não precisa afirmar sua masculinidade. Mulher pode ser afetiva, carinhosa, extrovertida, dada, e nem por isso será tachada de ‘piranha’.”

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Dicas de como dar apoio ao seu filho transgênero ou não-binário

Quando eu era criança a questão do gênero era bem simples, a grosso modo se você tivesse um pênis você teria que aprender a se tornar um homem forte e provedor e se tivesse uma vagina você teria que aprender a ser uma mulher delicada e obediente. Assim todo mundo estaria pronto na vida adulta para começar uma nova família bonitinha, digna daquelas séries de TV com o homem ralando para pagar as contas enquanto a mulher cuidava da casa e dos filhos e dela mesma (bela, recatada e do lar que fala, né?). Tudo bem que não importava a sua vontade ou, mesmo, a sua personalidade, você simplesmente teria que se encaixar nessa ideologia de gênero.

No entanto, os anos se passaram. O salário do homem provedor médio sozinho já não suportava sustentar uma família direito e as mulheres tiveram que sair do lar para complementar a renda. Com isso, as mulheres foram notando que não precisavam ser obedientes para atender às vontades dos homens, até por que muitas delas foram obrigadas a "fazer a parte homem" por necessidade e sobreviveram. Já os homens parecem que estão acordando agora e notando que essa cultura também faz mal para eles (ah, e que eles também podem ser mais femininos).

Sendo assim, hoje eu sinto que as pessoas estão percebendo que não adianta forçar as crianças a se encaixarem nessas caixinhas binárias pois somos seres extremamente complexos e vivemos em sociedades mais heterogêneas do que antigamente. Então apresento aqui algumas dicas simples de convívio escritas pela Zada Kent, mãe de um garoto trans adolescente, para pais de filhos que não se encaixam perfeitamente na matriz binária e que poderão deixar a vida dessas crianças mais harmônica.

Traduzido de Zada Kent

Existem pelo menos três tipos de transição para indivíduos transgêneros – transição social, legal e médica. Cada uma delas irá influenciar diversos aspectos da vida de uma pessoa, mas todas as facetas detalhadas neste artigo exploram apenas a transição social.

(Se o seu filho já fez a transição social e está pronto para discutir a transição médica ou legal, acredito que o mais correto a se fazer é procurar profissionais que possam ajudá-lo a determinar o que é melhor para o seu filho. A jornada de cada indivíduo trans é única e pede a ajuda daqueles que são qualificados, esse é o melhor conselho que eu posso dar aos outros pais)

Independentemente da idade do seu filho, as dicas abaixo poderão fazer parte da transição social deles como um indivíduo transgênero ou não binário.

Roupas
Embora as roupas não tenham gênero, a maneira como nos vestimos pode representar como nos sentimos sobre nós mesmos e como desejamos nos expressar para os outros.

Quando meu filho se assumiu como transgênero, ele não queria mais usar as roupas femininas que predominavam o seu armário. Ele se apegou às roupas e aos sapatos masculinos, então tivemos que aprender a fazer compras no departamento masculino.

Seu filho transgênero ou não binário pode não querer usar muitas das roupas que ele vestia antes de perceber que não era cisgênero. (Cisgênero se refere à quando a identidade de gênero de uma pessoa corresponde ao seu sexo biológico).

Eles podem querer explorar o uso de itens fora do estilo de roupa que a sociedade atribui ao seu sexo biológico. Ou até mesmo eles podem se identificar como um garoto trans e ainda assim desejar usar vestidos.

É importante deixar seu filho escolher o que ele sente que melhor o representa e é mais confortável. Isso permitirá que eles saibam o quanto você os ama e os apoia, independentemente de como eles se identifiquem ou das roupas que estejam usando.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Ensaio com 4 looks para crossdressers na Vila Franca - Samantha Oliver

Vim trazer para vocês mais um ensaio com algumas ideias de looks pensados especialmente para crossdressers. Meu estilo tem se desenvolvido bastante nos últimos anos e me sinto confortável nesse rumo.

Para começar um look bem esportivo. Na real para ser esportivo mesmo eu teria que trocar esse saltão da Pleaser por um tênis, mas gosto tanto desse modelo que não vou abrir mão. Se bem que eu sou praticante de pole dance a alguns anos e esse tipo de salto muitas vezes faz parte da prática, então acho que não estou muito longe dos esportes assim!

quarta-feira, 19 de maio de 2021

HQ - Boneca da Raan (47)

História em quadrinhos traduzida de KannelArt
Outros sites do artista:  Patreon  /  DeviantArt  /  Twitter  /  Tumblr  /  Discord

Finalmente está começando o 4º Capítulo dessa história fantástica!

Segundo o autor, esse começo é um flashback, aconteceu durante o último ano deles juntos na adolescência.

Primeiro capítulo
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quarta-feira, 12 de maio de 2021

Revista O Terceiro Sexo, um pedaço perdido da história trans

Fiquei tão encantado pelo texto Meu primeiro passeio como mulher que publiquei na semana passada que resolvi buscar mais informações a respeito da revista alemã Das 3. Geschlecht publicada entre 1930 e 1932. Primeiro eu gostaria de citar o site The Weimar Project que está trabalhando para traduzir e publicar todas as edições em inglês e torná-las acessíveis para qualquer pessoa. Fora isso, achei outro texto que apresenta o contexto alemão da época e detalha bem a história do periódico. 

Traduzido de The Paris Review

Hans Hannah escreveu sobre o seu primeiro passeio para a edição inaugural de O Terceiro Sexo (Das 3. Geschlecht), provavelmente a primeira revista do mundo dedicada a questões trans. Publicado pela primeira vez em Berlim em 1930, O Terceiro Sexo circulou nos anos finais da República de Weimar, o experimento democrático do país alemão entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Depois que os nazistas tomaram o poder, eles destruíram a editora e a revista foi amplamente esquecida. Como resultado, a maioria dos relatos atuais cita os Estados Unidos dos anos 1950 como o berço dos periódicos trans. No entanto, a recente republicação em 2016 de O Terceiro Sexo pela Bibliothek rosa Winkel revive vozes perdidas do estranho passado alemão e recupera um notável pedaço da história trans.

A partir do século XIX, a Alemanha era intimamente associada à homossexualidade. Os ingleses falavam do german custom (costume alemão), os franceses se referiam ao termo vice allemande (vício alemão) e os italianos chamavam os homens e mulheres homossexuais de "berlinenses". Pessoas Queer existiam em toda a Europa, com certeza, mas os pensadores alemães naquela época estudaram ativamente as sexualidades não heteronormativas e debateram abertamente os direitos das pessoas queer, inaugurando o campo da sexologia. Na primeira década do século XX, mais de mil trabalhos a respeito de homossexualidade foram publicados em alemão. Pesquisadores da Inglaterra ao Japão citaram sexólogos alemães como especialistas e muitas vezes publicaram seus próprios trabalhos na Alemanha antes de publicar nos seus países de origem.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Meu primeiro passeio como mulher

Traduzido de The Weimar Project

O dia foi inesquecível para mim, a primeira vez que caminhei na rua como uma mulher. Há muito tempo eu desejava isso, mas vivenciava apenas nos meus sonhos secretos. Eu tinha encontrado uma boa amiga a quem pude revelar o que havia adormecido dentro de mim como um segredo cuidadosamente guardado desde a infância. E, com uma amorosa compreensão, ela ficou feliz em me ajudar a realizar os meus desejos mais íntimos.

Não foi preciso muita preparação, já que eu estava acostumada a usar roupas femininas elegantes por baixo das roupas de homem, além de que, sempre que surgia uma oportunidade, eu trocava a máscara masculina forçada pelo meu rosto verdadeiro, de mulher, e eu estava acostumada a vestir roupas femininas e joias em casa. Fora que, minha figura com quadris acentuados, a cintura fina, a linha delicada das costas, os ombros estreitos e inclinados e o busto feminino, combinava mais com roupas femininas do que com um terno.

Eu precisava de algumas aulas particulares de uma mulher experiente para completar a imagem externa de uma dama em roupas de passeio. O chapéu lançava sombras suaves sobre o rosto velado, que tinha apenas um leve toque de pó, um pouco de delineador quase imperceptível e um traço de blush. O cabelo loiro discreto, que se misturava ao meu cabelo encaracolado na testa, fluía em ondas pesadas sobre as orelhas adornadas com pérolas finas e se mantinha amarrado em um coque cheio na nuca. A blusa de gola alta foi decorada com um fecho delicado. O vestido escuro de alfaiataria caía maravilhosamente bem, do qual a mão, meio envolta em renda, parecia estreita e pequena na luva branca. O guarda-chuva descansou em meu braço como um bom amigo. Um perfume discreto e o tilintar suave das pulseiras completavam o quadro, que era de elegância discreta. Senti tudo isso ao passar pelas crianças brincando na escada da elegante casa onde acabara de ocorrer a transformação.

Uma última hesitação tomou conta de mim quando cruzei a soleira da casa, mas a segurança da minha amiga a afastou. Naturalmente, caminhamos pelas ruas noturnas com suas luzes coloridas. Oh, como fiquei feliz! Quanto alívio eu senti! Como o ritmo do caminhar feminino voou pelos meus membros! Tudo era ternura, delicadeza e alegria. Foi uma bênção, pela primeira vez, livrar-me da máscara e apresentar meu verdadeiro eu diante de olhos humanos.