Gosto muito quando eu encontro fotos e histórias do passado que deixam claro que o movimento transgênero não é "novidade da geração mimimi". Já trouxe aqui coleções antigas como as fotos da Casa Susanna e a exposição Uma história secreta de Cross-Dressers. Dessa vez encontrei o trabalho do fotógrafo Christer Strömholm que registrou o cotidiano das mulheres trans com quem ele conviveu em Paris durante década de 1960.
“Essas são imagens de pessoas cujas vidas compartilhei e que acho que compreendi. Estas são imagens de mulheres – nascidas biologicamente como homens – que chamamos de 'transexuais'. Quanto a mim, eu as chamo de 'minhas amigas da Place Blanche'. Era então – e ainda é – sobre como obter a liberdade de escolher a própria vida e própria identidade", escreveu Strömholm na época da publicação das fotos.
As fotografias em preto e branco, tiradas à noite com a luz disponível, mesclam fotografias de rua e retratos e são, por sua vez, glamourosas e corajosas. Elas capturam uma Paris perdida, desprezível mas elegante, subterrânea mas extravagante, em uma época em que o General de Gaulle estava no poder e pretendia criar uma França ultraconservadora que ecoasse seus estritos valores católicos romanos. Nessa época as travestis eram consideradas foras da lei, regularmente abusadas e presas pela polícia por serem “homens vestidos de mulher fora do período de carnaval”.
Nana. Paris, 1959 |
As fotos tiradas por Christer Strömholm das mulheres com quem ele conviveu compõem um retrato íntimo e sensível de mulheres transgênero décadas antes do movimento ter qualquer visibilidade popular.
O senso de família de Strömholm foi desbotado de maneira sombria pelo suicídio do seu pai e pelo novo casamento de sua mãe com um rico corretor de navios. Quando foi para Paris, ele abdicou o seu status de burguês e se juntou a um grupo de mulheres transgênero desamparadas que viviam na região da Place Blanche de Paris, praça onde se encontra o famoso cabaré Moulin Rouge, e que rapidamente se tornariam seu clã adotivo. “Essa era a família dele, essas garotas”, disse seu filho Joakim Strömholm.
Suas amizades verdadeiras eram com “as pessoas mais indesejadas de Paris”, acrescenta Joakim. “Ele enxergou a beleza delas. Não foi nada voyeurístico, escandaloso, foi apenas uma vida normal que ele seguiu ”.
Cobra. Paris, 1960 |
Kismie. Paris, 1962 |
Sabrina. Paris, 1967 |
As fotos permaneceram guardadas até 1983, quando foram publicadas como um livro, “Les Amies de Place Blanche” (“As amigas da Place Blanche”). Começa com uma breve introdução escrita pelo fotógrafo: “Este é um livro sobre insegurança. Um retrato de quem vive uma vida diferente na grande cidade de Paris, de pessoas que suportaram a aspereza das ruas. ... Este é um livro sobre a busca da identidade própria, sobre o direito de viver, sobre o direito de possuir e controlar o próprio corpo.”
Strömholm morava nos mesmos hotéis que as mulheres que fotografou. Ele comeu com elas, bebeu com elas, saiu para a cidade com elas. Ele levava sua câmera Leica e alguns rolos de filme quando saíam à noite e, ao voltar para o hotel, os revelava em seu quarto. “Se as fotos estivessem mal expostas ou se eu tivesse cometido um erro técnico, não importava. Eu ainda teria outras noites pela frente ”, escreveu ele.